Hemeroteca Digital Brasileira

Por Pedro Fernandes




Outro dia assistia pela internet a uma palestra sobre a necessidade de reinvenção do espaço das bibliotecas brasileiras. Disso já sabemos, como sabemos que a coisa em terras tupiniquins é está sempre na vanguarda desde muito antes da vanguarda. O Estado só dispõe de uma única imagem: biblioteca é lugar para as traças, a poeira, o mofo e para cuidadores desleixados que não sabem nem em que prateleira estão os livros de Paulo do Coelho ou espécie de asilo para emprego de mão-de-obra que não mais serve para as atividades pesadas da educação. 

Não é drama. Quem foi rato de biblioteca como fui sabe o que diz e, do meu tempo adolescente para agora, outra coisa que sabemos é que pouco saímos do problema. Com os avanços tecnológicos, não quero ser pessimista, acho que levaríamos mais tempo para compor um sistema de bibliotecas decente país afora que para acabar com a corrupção, mal que agora se ensina desde criança, aperfeiçoa-se nas universidades e pratica-se à banca rota em quaisquer situações; nesse caso último, ainda há os que pensam que a coisa está apenas arraigada entre os políticos.

Bom, como por aqui as coisas sempre caminharam a passo de tartaruga mesmo – o JK, coitado, bem que tentou acelerar cinquenta anos em quatro e o que vimos foi só desgraça; não nos afundou por dois milagres: um, Deus é brasileiro, dois, não tinha o que afundar – a Fundação Biblioteca Nacional anunciou e lançou em julho passado os primeiros passos para a digitalização do acervo nacional. 

O feito é nada e, contraditoriamente, é muito. Porque apesar de termos fama de ler pouco, escrevemos muito. Não vê, até eu tenho este blog que vou conduzindo a duras penas contando asneiras minhas e alheias? E já repararam que igual ao Letras agora todo mundo tem um e os que não arremedam letrinhas no Feicibuque?

Voltemos à hemeroteca digital. O arquivo é uma luva para pesquisadores, antes de ser uma maneira de preservação dos arquivos de papel exaustos de lutar contra as intempéries do tempo. A digitalização permite ainda que qualquer com acesso à internet  possa consultar esses papéis. São jornais, revistas, anuários, boletins, periódicos, e coisitas raras que levaria longo tempo para explorarmos tudo tudo. Mais fácil que explorar terá sido digitalizar. E não estou menosprezando um trabalho tão significativo quanto.

Das raridades vejam só, Correio Braziliense e a Gazeta do Rio de Janeiro, os primeiros jornais criados no Brasil, quinhentos anos depois de seu achamento português; extintos Diário Carioca e Correio da Manhã e Jornal do Brasil que apressou-se e aposentou-se do papel há algum tempo. Ou publicações que nunca ouvi falar, coisas do século XIX, como O Espelho, Reverbero, O Jornal das Senhoras, O Homem de Cor, Marmota Fluminense (opa, este já ouvi falar, o Machado de Assis escreveu muito nele, não foi?), Gazeta de Notícias, Correio de São Paulo e, por aí vai. O Malho, Klaxon (já editada pela Brasiliana USP, lembram que comentei por aqui?), Revista Verde, A Manhã, Última Hora vão engrossando a lista como destaques do século passado.

A importância para muitos pesquisadores de várias áreas e a preservação da memória nacional alia-se ao interesse literário pela documentação aí exposta. Sabemos que boa parte dos grandes escritores de nossa literatura – Machado de Assis, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, só para citar três nomes – andaram a escrever nessa imprensa. E deve haver coisas ainda por descobrir desses sujeitos. Assim como deve haver nomes obscuros que nunca souberam o que é o panteão dos imortais ou imortais que foram sendo esquecidos pela traidora memória.

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