Aqui embaixo, de Jean-Pierre Denis
Por Pedro Fernandes
A que nível de cegueira alguém pode ser reduzido quando desenvolve
por alguém uma paixão sem limites? Boa parte ou se não todo mundo haverá de
concordar que não há níveis, que há paixões incondicionais. Talvez seja sobre
esses limites incapazes de precisar na maioria dos casos do tipo o mote para
este drama histórico de Jean-Pierre Denis.
Num retorno ao fim de 1943, durante a ocupação nazista na
França, fato da Segunda Guerra Mundial, o diretor francês recupera a história entre
a Irmã Luce, religiosa e enfermeira no hospital de Périgueux, e o capelão
Martial. Ela desenvolve uma fé plena na igreja católica desde a infância; o
apego ao padre da região, entretanto, demonstrado logo no início do filme
parece sinalizar que a fé tem seus mistérios insondáveis, uma vez que essa devoção
e apego serão, futuramente transferidos para Cristo, no voto que faz ao se
tornar freira de reputação inabalável na congregação, mas logo desviados para a
figura do capelão.
Martial é de ideias profundamente niilistas e sua fé, ao
contrário da de Luce, está completamente abalada, num cenário em que a luta
pela vida torna-se uma constante diária e, muitas vezes, é luta vã. Luce o conhece
num instante em que ele está entre a vida e a morte. E tocada pelo limite
passageiro da existência, é quando sua fé no inalcançável se apresenta como uma
atração amorosa, sem os mesmos limites com que parece ser a crença na religião.
Não bastasse isso, os sinais pedidos a Deus desse amor parecem sempre conduzir
positivamente para a sua vivência sem condicionais. A ponto de largar todas as benesses
no convento por isso.
A partir de então a personagem inicia seu drama que terá um
desfecho trágico. O filme além de sondar os limites do amor humano representados
na até certa inocência de Luce – desde o prólogo do filme ao sentimento que a
personagem desenvolve por Martial sem que em momento algum ele esboce interesse
por ela – é também uma conduta descrente da incapacidade do amor como luta pela
existência. Mas, como nada nesses terrenos do amor tem uma face, no mesmo
instante que é desencanto é também uma crença na necessidade de, mesmo diante
de situações do tipo, não hesitar em viver o seu lado obscuro, irracional e sem destino. Afinal,
que graça teria a vida se não fôssemos capazes de se arriscar sempre?
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