A vida vai melhorar, de Cédric Kahn

Por Pedro Fernandes


Olhando o currículo de Cédric Kahn é perceptível, mesmo sem ter assistido outras produções suas, que a incursão feita neste A vida vai melhorar tem um caráter inédito, do ponto de vista do enredo. Seu primeiro longa veio em 1993, O bar dos trilhos, selecionado para o Festival de Veneza; depois, Trop de bonheur, O tédio, este baseado no livro de Moravia, depois Luzes vermelhas, outra adaptação literária, agora de uma obra de Simenon, e O avião, um conto infantil e por fim, antes de A vida vai melhorar, Arrependimentos.

A crítica especializada classifica A vida vai melhor como um filme extraordinário. E é mesmo. Contemporâneo demais para o tempo em que foi produzido, uma vez que toma como ponto de partida e faz desse ponto elemento fundamental para o andamento da narrativa, a crise financeira que anda solapando economias ao redor do mundo.

Em cena, Yann, um cozinheiro que descontente com o trabalho e sonhando alto na possibilidade de ser dono de um próprio negócio, se junta à Nadia, uma garçonete libanesa, mãe de um garoto de 9 anos e vão à sorte das economias de anos de trabalho mais uma leva de empréstimos dá um lance na ideia. Esse estágio do filme, é um momento em que dará ao telespectador certa vontade de desistir ir adiante, porque, como se vê, é como se tudo já começasse bem e não pudesse, desse modo, a narrativa conseguir pulso para se desenvolver. Pura ilusão, porque há pulso, sim, para a narrativa andar, porque se uma coisa é verdadeira é que tudo que está bem tem pelo menos duas opções, ou se melhora ainda mais ou se tem um desenfreado declínio. E ótimo é que o título do filme aponta para estas duas possibilidades, porque tanto esperamos que depois desses sucessos positivos iniciais as coisas deslanchem para valer como há a possibilidade que não, que nada tudo isso se desmanche de uma hora para outra. E aqui, a segunda opção é a que se confirma.


Mesmo depois de todo o esforço construído pelos dois, mesmo depois de erguidos todos os castelos de sonhos em torno do sucesso de um belo restaurante à beira de um lago, num parque aos arredores de Paris, mesmo depois de tudo isso, o empreendimento, por exigências burocráticas do Estado precisa ajustar-se a determinados padrões que custariam aos bolsos já esvaziados dos investidores uma larga quantia em dinheiro. E então, tudo vai caminhando para o fundo do poço, numa velocidade que nos deixa com os nervos à solta: desempregada Nadia separa-se de Yann e vai tentar a vida no Canadá, deixando com ele o filho de 9 anos, e Yann vai a todo custo, ainda na crença de recuperar o sonho desfeito lutar, dentro de todas as possibilidades e instâncias.


Nesta terceira fase ganha a cena a criança que, afastada da mãe, convivendo com um estranho num subúrbio de Paris, vai, na nova vida desempenhar uma parte expressiva para o desenvolvimento e desfecho do filme. Entre vender produtos de porta em porta surrupiados pelo padrasto do seu ambiente de trabalho para juntar moeda a moeda o que comer e pagar o aluguel do barraco onde moram, essa criança é o elemento norteador, é a esperança final do próprio Yann porque na companhia que lhe faz, o distrai de um modelo de vida que talvez tomasse se não tivesse a responsabilidade que tem sobre o pequeno. Enquanto todos afundam, a inocência da criança ilumina possibilidades.



Depois de uma fuga que ficamos a nos contorcer na poltrona do cinema que tudo dê certo conforme o planejado de última hora, os dois conseguem fugir para o Canadá, à procura de Nadia, que já há bastante meses não se comunica com os dois. O que eles encontram no novo país? Bem, isso eu não vou contar, senão cometeria uma desfeita. É possível que tudo termine com uma redenção das três personagens; é possível que não, que desfecho não seja tão iluminado assim. Uma coisa é certa: algo bom se anuncia no horizonte, nem que seja um tour de moto para neve, numa paisagem branca, infinitamente branca, anunciando transições. 


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