Liev Tolstói: a arte deve ser ponte para a transformação do homem
Por Pedro Fernandes
Liev Tolstói. Foto de 1847 (aproximadamente) |
Semestre
passado tive contato com um texto crítico de Tolstói em torno da pergunta já há
muito discutida O que é arte. O texto
está publicado, pelo menos parte dele, numa coletânea organizada por Elena Vássina,
traduzida por extensa equipe e recém-publicada pelo selo Penguin / Companhia das Letras. Alguns dos recortes que marquei no texto considero até hoje pertinentes mesmo
sabendo que as considerações datam de 1896 e que o escritor russo tinha uma
concepção muito particular sobre a obra de arte.
“Toda
obra de arte faz com que o receptor entre numa espécie de comunicação com quem
criava ou cria a arte e com todos que ao mesmo tempo antes, ou depois,
receberam ou vão receber a mesma impressão artística.”
“A
arte começa quando o homem evoca novamente dentro de si o sentimento já experimentado,
com o objetivo de transmiti-lo para outras pessoas, e o expressa por meio de
determinados sinais externos.”
“O
principal é que a arte não é o prazer, mas um meio de comunicação que, unindo
pessoas pelos mesmos sentimentos, é indispensável para a vida e o progresso de
cada indivíduo e de toda a humanidade.”
“Se
faltasse ao homem a faculdade de se contagiar pela arte, seríamos ainda mais
selvagens e, principalmente, ainda mais distantes e hostis.”
Fale
o que falar de Tolstói, mas talvez os pressupostos por ele defendidos tenham sido postos dessa forma porque, antes de pensá-los, o escritor colocou-os em
prática. Bastará o leitor ler qualquer texto dele para entender que o pacto
entre escritor e escrita é tão bem arquitetado que não fugirá daquele
sentimento, que até agora só é garantido aos russos, de que estamos vivenciando a
situação colocada na narrativa. Isso é grandioso e me parece ser uma
aproximação muito própria para o entendimento do que é arte ou de qual sua
função.
Tolstói em seu escritório. Foto de 1909. |
Não
faltará os resumos biográficos sobre o escritor que não sejam iniciados pelo epíteto
de “um dos maiores escritores”. Pelo menos nos que eu li. E, se não coloquei no
início, não fugirei da regra para dizer pela enésima vez: Tolstói “foi um dos
maiores escritores” da literatura russa. Isso porque ainda há nomes como os de
Dostoiévski, Püchkin, Gógol, Turguêniev, Tchekhov, Maiakóvski, Górki, Bábel e,
chega, há muitos, também disso sabemos.
Lido por Rubens Figueiredo, um de seus
principais tradutores no Brasil, como “o desafiador das convenções”, Tolstói
publicou seu primeiro livro, ainda com 24 anos, quando era oficial do exército
russo. Antes de ir para a vida militar por admiração ao irmão, cursou línguas
orientais e direito na Universidade de Kazan, mas não chegou a concluir os
estudos.
Começou
a escrever por incentivo de uma tia, por quem foi criado depois da morte de sua
mãe quando ainda tinha dois anos de idade. Tolstói nasceu em 1828. Aos nove
anos, foi a vez da perda do pai. Infância,
o nome do primeiro livro, foi publicado anonimamente na revista O contemporâneo sob custódia do poeta
Nekrássov, então editor do periódico e recebeu reconhecimento de figuras como Turguêniev.
Depois, vieram Adolescência e Juventude, compondo assim, uma trilogia.
Nesse período, também publicou contos, como Contos
de Sebastópol. Os trabalhos até então publicados garantiram-lhe certo
prestígio e respeito literário entre os escritores da sua época, tanto, que
deixou o exército e passou viver em São Petersburgo numa república com escritores
e intelectuais. Por decepção, largou o novo modo de vida para cuidar de uma propriedade rural da família, que até o fim de sua vida, foi sua residência.
Tolstói em sua fazenda. Foto de 1908. |
É
quando inicia seu trabalho pedagógico junto aos camponeses da região. Fundou,
com seus recursos, uma escola para os filhos dos mujiques e era ele próprio
quem lecionava. No âmbito pedagógico, criou uma revista, Iásnaia Poliana, o nome da sua propriedade e que circulou entre 1862 e 1863, para divulgar o
trabalho empreendido no campo e ainda trocar conhecimentos sobre teoria e práticas
pedagógicas desenvolvidas na sua escola.
Manuscrito com notas de Tolstói para o romance Guerra e paz. |
Em
1862, casou-se e pôs fim a uma novela que já havia começado a escrever havia
dez anos: Os cossacos, que teve boa
receptividade e reacendeu seu ânimo para as letras. No ano seguinte, dá início à
escrita de Guerra e Paz, que junto
com Anna Kariênina, constitui o marco
na sua carreira literária.
Depois dos dois romances, publicou ainda Confissão, um livro crítico que logo foi
censurado. Veio ainda, entre outros, Então, o que
devemos fazer?, a peça de teatro O
poder das trevas, A morte de Ivan
Ilitch, Sonata Kreutzer, O patrão e o trabalhador, O diabo, Ressurreição e Khadji-Murat,
seu último livro. O escritor morreu
em 1910. E fez da arte, sua prática para transformação do homem.
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