Do começo ao fim, de Aluizio Abranches




Fazia tempo que este filme deveria ter sido comentado por aqui, porque tão logo saiu dos cinemas – lembro que por terras papa-jerimum não houve sessões – eu vi e revi. Não é que o filme seja algo que se diga “isto é sim um grande filme”. Não. Não é. Creio mesmo que Aluizio Abranches já fez coisa melhor, como a adaptação do livro de Raduan Nassar, Um copo de cólera, outro filme que já vi há certo tempo e ainda não comentei por aqui. Estou devendo mais uma.

Classificado como drama, o filme poderia ficar reduzido a uma historieta de amor morango com açúcar. Tem um enredo bem pensado, mas não bem construído. Não avança. É reduzido a questões pontuais. E há um universo de coisas que não sei por culpa do quê o de quem não conseguem ter um desenvolvimento esperado. E o resultado, bem, o resultado, todos já devem ter previsto: não é lá essas coisas.

Saltado alguns minutos do filme o telespectador já terá percebido que a história pretendida da narrativa é a admiração amorosa – o amor no sentido sexual – entre os irmãos Tomás e Francisco, bem interpretados, se levarmos em consideração o nível do filme, por Rafael Cardoso e João Gabriel Vasconcellos, respectivamente. Está aí já o primeiro erro do filme em não conseguir estabelecer um nível de curiosidade no telespectador para o epicentro da questão, a atração sexual entre os meninos.

Da cena de abertura ao desfecho da trama – o filme cobre desde a infância dos meninos até a fase adulta, quando já a família está desfeita – a trama acerca no projeto de progressão temporal. Não há nenhuma técnica inovadora, mas os saltos temporais não prejudicam a arquitetura do corpo textual. Haverá alguns lances fotográficos destacáveis no filme, como a cena de sexo entre os dois rapazes, conduzida poeticamente e sem quaisquer vulgaridades. Aliás, esse tom do poético, está presente em vários momentos, seja nos encontros entre Tomás e Francisco, seja nas passagens literárias de Hilda Hilst, seja nalguns tons da trilha sonora.

Agora, espanta-me e espanta aos que têm alguma noção sobre a possibilidade de um drama é que os irmãos nunca tenham tido dúvidas quanto ao desenvolvimento do sentimento de um pelo outro e que isso tenha sido encarado como uma predestinação natural entre as partes; que a família, por mais moderna que seja, não tenha em momento nenhum sequer ensaiado uma possibilidade de se colocar preocupada diante do fato. Quer dizer, até ensaiam, mas a progressão do caso é afogada em algumas taças de vinho entre mãe e pai. Não damos em nenhuma esquina da trama com o processo de descoberta sexual e, surpreendentemente, os dois têm plena capacidade psicológica e social sobre o caso de serem homossexuais e os dois acabam como um idílico caso de amor do romantismo do século 18 como se protegidos estivessem por uma redoma de vidro das linhas da sociedade em que vivem. Aliás, não tem sociedade nesse filme. Todos estão situados num padrão fora de tudo.

Parece que o interesse de Abranches terá sido tratar a questão com a normalidade que ela merece ser tratada, mas o “excesso de normalidade” não cumpre com o ideal artístico que é o de perturbar o telespectador, levá-lo a repensar determinados paradigmas. E aquilo que deveria ser “polêmico” reduz-se a um politicamente correto, mas totalmente destituído de política, que é a capacidade de perseverança do tom crítico perante as situações.

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