Ernest Hemingway


Quem não terá lido o clássico O velho e o mar? Para mim, foi um dos primeiros livros com esse epíteto que tive privilégio de ensaiar leitura. Ainda criança, quando a escola que eu estudava criou e deu chance aos seus alunos a ideia de biblioteca, num tempo em que escola do nível básico de ensino ainda era coisa de certa valia. Na época não cheguei a findar a leitura: pareceu-me um texto longo demais e eu tinha a vã ilusão não-leitora de que me perderia ao longo do caminho. Mas, nessa mesma biblioteca dei com Por quem os sinos dobram numa versão ilustrada e infanto-juvenil, a qual nunca mais tive oportunidade de encontrar, mesmo vasculhando esse território inóspito da web que diz nos oferecer não só os encontros mais fortuitos como qualquer possibilidade de resposta às nossas dúvidas, inclusive quando elas se referem a perdas recentes de memória.



Ernest Hemingway é o autor desses dois textos considerados uns dos principais de sua vasta obra. Nascido em julho de 1899, nos Estados Unidos, foi para Paris como integrante da comunidade de escritores expatriados (lembram do filme Meia noite em Paris, do Woody Allen que comentamos aqui?), grupo que será chamado de “geração perdida”, por Gertrude Stein. Aquele primeiro livro que falei, O velho e o mar, foi a obra que ganhou o Pulitzer de 1953 e encaminhou o escritor para o Prêmio Nobel de Literatura no ano seguinte.

Além de Paris, Hemingway passou uma temporada de quatro anos na Espanha e de lá saíram O solo também se levanta e Por quem os sinos dobram. Em 1937, chegou a fazer cobertura jornalística para o North American Newspaper da Guerra Civil Espanhola, conflito bélico iniciado em 1936, quando do fracasso de um golpe de estado contra o governo democrático da Segunda República Espanhola. 

A experiência com o jornalismo, entretanto, veio-lhe muito antes disso: quando ainda estudava o seu segundo grau já trabalhava no jornal local de Oak Park, sua cidade natal, profissão que largará em 1918 no afã de alistar-se para ir ao front na Primeira Guerra Mundial, e que chegará mesmo a ir, não como combatente devido a um problema de visão, mas como motorista de ambulância na Cruz Vermelha. É desse período que se envolve com a enfermeira Agnes Von Kurowsky que lhe inspirará na composição da sua personagem de Adeus as armas.

Falando em envolvimentos amorosos, o escritor foi casado quatro vezes, talvez seguindo à risca o predestinado pelo seu amigo, o romancista Scott Fitzgerald, quando se conhecerem em Paris, de que ele iria precisar de uma mulher a cada livro.

O escritor suicidou-se em 1961, repetindo o gesto de seu pai que, em 1929, motivado pela crise financeira daquele ano e com problemas de saúde, decidiu por fim à vida. Depois de sua morte, criou-se em torno da imagem do escritor, seja pelo perfil forte que desempenhou ao longo de sua vida, seja pelos atos “machistas”, a figura de durão, imposta ainda talvez desde a infância pela personalidade dominadora de sua mãe e justificada por uma crítica pop que quer a todo custo associar à imagem do escritor como uma vivant que não tem com a escrita mais que um divertimento fortuito. Mas, a crítica recente tem gradativamente revelado outro lado de Hemingway: o lado do escritor que tem uma relação conturbada com o material de trabalho - a palavra - e um lado dócil. 

Primeiro, foi a publicação do volume de cartas The letters of Ernest Hemingway: Volume 1, 1907-122 (ainda inédito no Brasil). No conjunto de cartas aí apresentado os professores Sandra  Spanier, colaboradora na organização do volume primeiro dos 16 que ainda serão publicados, e o professor Robert W. Trogdon descobrem uma personalidade mais rica que a do macho incrustado ao longo do tempo que demos a conhecer o escritor estadunidense.


Agora é publicado Hemingway’s cats: na illustrated biography (também inédito por aqui) que vem revelar a paixão dele pelos bichanos. Para ele, os gatos são criaturas únicas e merecem ser mimados incondicionalmente. Numa carta datada de 1953, quando um dos seus gatos, Uncle Willie, foi atropelado, o escritor escreve sofregamente ao amigo Gianfranco Ivancich contando detalhes do acidente e encerra confessando que já havia conhecido muitos pessoas amáveis em vida e nunca de nenhuma delas isso foi registrado em foto como também nunca ninguém terá visto um animal ronronar com as duas pernas quebradas. Também no seu testamento, o escritor deixou documentado todo seu amor pelos gatos: eram 50 quando morreu, mas todos deveriam ser mantidos com todo conforto por meio dos rendimentos dos direitos autorais de sua obra.  

Seu primeiro gato, chamado Snowball, foi-lhe dado por um capitão de navio e tinha seis dedos, “mutação” genética um tanto rara entre os felinos; atualmente, sua antiga casa em Key West, na Flórida, abriga cerca de uma centena de descendentes de Snowball. Hilary Hemingway, sobrinha do escritor e quem assina o prefácio da biografia, relembra que Hemingway chamava os gatos de “fábricas de ronronar” e “esponjas de amor”, traduzindo literalmente as expressões “purr factories” e “love sponges”.

Ligações a esta post:

>>> Na cata por curtas adaptados para o cinema, postamos na página do Letras no Facebook um curta de Aleksandr Petrov que lhe valeu o Oscar de melhor animação em 1999. O filme é baseado em O velho e o mar e está disponível aqui no canal do Letras no Youtube.


 

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