Carlos Drummond de Andrade, o cronista do vasto mundo

“Sempre gostei de ver o sujeito às voltas com o fato, tendo de captá-lo e expô-lo no calor da hora. Transformar o fato em notícia, produzir essa notícia do modo mais objetivo, claro, marcante, só palavras essenciais. Ou interpretá-lo, analisá-lo de um ponto de vista que concilie a posição do jornal com o sentimento comum, construindo um pequeno edifício de razão que ajude o leitor a entender e concluir por si mesmo: não é um jogo intelectual fascinante? E renovado todo dia! Não há pausa. Não há dorzinha pessoal que possa impedi-lo. O fato não espera. Então você adquire o hábito de viver pelo fato, amigado com o fato. Você se sente infeliz se o fato escapou à sua percepção.”

Carlos Drummond de Andrade, Tempo vida poesia.


Carlos Drummond em sua biblioteca particular. Foto: Jornal do Brasil.


Os jornais foram porta de entrada para Drummond em todas as fases de sua carreira. Sim. Desde quando se constitui leitor a quando é o escritor conhecido. O fascínio pela beleza da palavra grafada está quando decide, quase que integralmente, escrever um periódico que será divisor de águas para cena literária mineira. Foi ainda na adolescência, aos 15 anos, que publicou seu primeiro texto num jornal. Um poema. “Onda”. Um jornal de pequena circulação e única edição. O irmão foi quem conduziu o adolescente Drummond. Depois veio o da escola. A mesma que lhe expulsou por “insubordinação” deu espaço no seu jornaleco para que o aluno Drummond publicasse. Uma ode à Virgem Maria e seu mês, maio.

Na capital mineira, os trabalhos do jovem saíam no Diário de Minas. É na tipografia do jornal que será impresso A revista (Ver Carlos Drummond de Andrade e o tempo das revistas).

O adolescente cresceu e já adulto chegou a ocupar a função de redator no mesmo Diário, comentado com orgulho para o correspondente Mário de Andrade: “Sabe que me mudei de Itabira? Mudei. Não pretendo mais voltar pra lá. Um amigo camarada [Alberto Campos] me arranjou um lugar de redator no Diário de Mias, jornalzinho do PRM, de sorte que larguei a geografia pra pegar no oficialismo. Já dei ordem pra lhe mandarem o Diário. Verá logo que é jornal da roça e o lerá como jornal da roça, e creio que há de ficar satisfeito considerando que mesmo da roça ele teve uma beiradinha para aconchegar este seu amigo, não é?”¹

Entusiasmo desfeito meses depois: “Você elogiou o Diário de Minas... Mário, há três meses que estou no Diário de Minas e isto só serviu para ficar conhecendo de perto o meu ilustre parente longe e o nosso prezado diretor Magalhães Drummond. Não aceito os seus elogios porque tenho certeza que o Diário não merece elogios. O Magalhães nunca teve colhões para dirigir um jornal, nem mesmo na roça, e oDiário é uma prova disso. Eu me mato de trabalhar nele pra sair aquela porcariazinha de quatro páginas mal impressas e em mau papel. Estava me matando. Você acredita que de fins de outubro até hoje eu não tive tempo de ler um livro? Entrei pro jornal com vontade de trabalhar, fui trabalhando com gosto e quando dei fé todo mundo jogava serviço pra cima de mim. Chamado pra redator, fazia até revisão, inclusive reportagem, noticiário vagabundo, cozinha enfim. Não aguentei. Pus o corpo fora. Hoje só faço a minha parte e deixo o resto rodar. Aquilo não endireita mesmo. Em resumo: estou profundamente desgostoso com o Diário de Minas”².

Depois que deixou o emprego no Diário foi ser auxiliar de redação e depois redator no Minas Gerais. Aí publicou diversas crônicas, sempre com os pseudônimos. Depois, foi para a redação dA tribunaEstado de Minas e Diário da tarde.

No Rio de Janeiro, contribuiu com o suplemento literário do jornal A manhã, depois Correio da Manhã e Folha; editor de um jornal do Carlos Prestes, Tribuna popular. Muitos dos trabalhos publicados nesses periódicos são incluídos mais tarde em livros, tanto na poesia, quanto na prosa.

No Rio de Janeiro, fez-se. Não jornalista. Mas cronista. Quando se afasta da Tribuna assume a função no Correio da Manhã publicando três textos por semana até 1969 quando vai para o Jornal do Brasil, onde ficará até 1984.

Além de tudo, a poesia – o ofício que lhe deu o devido reconhecimento –, também ela foi influenciada pela paixão jornalística. Não há mesmo como negar: Drummond, não sendo jornalista, fez-se de jornal. E chegou mesmo admitir que o fato de não ter sido jornalista, “uma profissão ingrata”, o jornal foi sua “alguma vocação na vida”³.

O Letras preparou um fôlder com algumas das mais importantes crônicas produzidas por Carlos Drummond de Andrade, dividindo o percurso em três momentos: o inicial, o da tribuna, o do correio e o do jornal.


***

Notas:

1 Carta datada de 7 de novembro de 1926 e remetida de Belo Horizonte. Está publicado na edição Carlos e Mário, p. 252-255, livro editado pela Bem-Te-Vi.

2 Carta datada de 7 de fevereiro de 1927 e remetida de Belo Horizonte. Está publicado na edição Carlos e Mário, p. 268 a 273, livro editado pela Bem-Te-Vi.

3 Entrevista concedida a O Estado de S. Paulo, 28 de abril de 1985.




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