Carlos Drummond de Andrade e arte de escrever cartas
“Nas cartas que escrevo costuma
insinuar-se o rascunho da grande carta (grande? ou conterá só duas linhas?),
mas bem sei que não adianta rascunhar o que não pode ser previsto e menos ainda
planejado. Ou a carta se faz espontaneamente na brancura da folha, tão
imperativa que só me resta assiná-la, ou todo o meu empenho literário de reunir
as expressões mais adequadas resultará na caricatura de um documento que
independe de estilização e mesmo a repele. A correspondência da vida inteira
torna-se o esboço inútil de uma única peça postal que não tenho aptidão para
compor, e não me é ditada, mas que exige ser escrita.
Estamos nisto, eu e a minha carta,
já concreta, palpável, legível de tão imaginada: em sua plenitude
branca.”
Carlos Drummond de Andrade, “Projeto
de carta”, Os dias lindos
Bilhete que Carlos Drummond de Andrade escreveu a Clarice Lispector após ler De corpo inteiro. Foto: Acervo da família. Arquivo Museu de Literatura da Fundação Casa de Rui Barbosa. |
E se pudéssemos juntar todas as correspondências de Carlos
Drummond de Andrade num só lugar? As que trocou com o amigo Cyro dos Anjos
foram tantas que resultou num livro a ser publicado nos próximos dias da Feira
Literária Internacional de Paraty (FLIP); as que trocou com Mário de Andrade
também deram um livro publicado em 2003. Cartas para a filha. Cartas para o
neto. Cartas para desconhecidos. Cartas para intelectuais, como Clarice
Lispector (foto). Cartões. Bilhetes. Telegramas.
O grande acervo de correspondências do poeta encontra-se
preservado ao que parece e, aos poucos, vão sendo conhecidas pelos seus
leitores. Para os críticos, por esse acervo é possível perscrutar as principais
características de Drummond: o homem comum que buscou ser, suas implicações com
as exigências práticas do cotidiano, sua dedicação ao trabalho como funcionário
público, sua dedicação com a família, o apreço a todos os que lhe procuravam, a autocrítica sobre sua obra e a projeção adquirida dentro do cânone literário
brasileiro, fragmentos de uma obra a todo tempo sendo escrita. Nesse último
caso, há poemas, caricaturas e outros materiais inteiramente escritos no
interior das missivas. Ou seja, pela correspondência abre-se uma possibilidade
de leitura do vasto mundo da obra e da vida do escritor.
Aqui, reunimos um fôlder com uma amostra de quatro correspondências de Carlos Drummond de Andrade. Três delas para o amigo Abgar Renault e uma para o escritor Pedro Nava.
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