José Luís Peixoto



José Luís Peixoto revela-se com uma singularidade, não inédita, mas da maneira que faz, a torna única, fundir a prosa com o poesia com o intuito de revelar certo universalismo das experiências particulares ou locais. Este é um traço, aliás, recorrente na prosa literária portuguesa de sua geração. No seu caso, por vezes esses dois limites da linguagem combinam-se para determinar o funcionamento da obra, isto é, são responsáveis pelo seu aspecto formal e estrutural. Este gesto decompõe as fronteiras imaginariamente desenhadas entre um modelo discursivo e outro.

Está em toda sua literatura, desde Morreste-me seu livro de estreia. Trata-se de uma escrita que põe em suspensão as maneiras de ser do escrito; está, em muitos casos, impregnada de uma musicalidade que recorda certo princípio da musculatura oral ou a reimaginação dessa oralidade pelo tecido da escrita. Algo herdado possivelmente de um gosto à parte de Peixoto: compor canções. Nesse segmento tem, ao longo de sua carreira escritural, desenvolvido saudáveis parcerias.

Interessante citar essa proximidade com a música porque isso é coisa que se repete noutros escritores de sua geração: Valter Hugo Mãe e Afonso Cruz, por exemplo. Produto de figuras com múltiplos talentos? Possivelmente. A geração dos mais novos escritores é desde sempre uma geração marcada pelo gênio da inquietude.

Músicos à parte, voltemos à literatura. Eduardo Prado Coelho assim se pronunciou sobre o exercício literário do escritor de Cemitério de pianos: “a grande força de José Luís Peixoto está no modo como narra histórias que se dobram para dentro da sua própria loucura e no fio puríssimo de luz com que as vai reunindo e salvando do esquecimento”. A linguagem espelhada que produz a inversão e, consequentemente, a reinventividade dos pólos.

Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu. (fragmento de Nenhum olhar)

Como um escritor em plena atividade, qualquer compreensão mais determinada é complicação a que a crítica não deve se meter. É necessário, entretanto, seguir seus os passos até que seja possível ter uma visão um tanto mais elaborada sobre algo que se possa chamar de projeto literário. E temos já uma quantidade de livros; além dos já citados aqui, Uma casa na escuridão, Cal (um composto de 17 contos, três poemas e uma peça de teatro, todos tendo em comum o tema da velhice, conforme bem situa José Luís Foureaux em comentários sobre a obra.

Se já temos acesso à sua obra em prosa, falta chegar ao Brasil a sua poesia, até então resumida a textos em edições esparsas, mas em Portugal publicada em A criança em ruínas, livro de estreia no gênero em 2001, A casa, a escuridão e Gaveta de papéis, sendo que o segundo volume tem total ligação com o romance lançado no mesmo ano, Uma casa na escuridão, conforme notificou o próprio escritor em entrevista dada ao Portal Cronópios quando numa de suas vindas ao Brasil.

Não haveremos de esquecer que o escritor está ladeado dos novos expoentes literários em formação, como os já citados Valter Hugo Mãe e Afonso Cruz, mas também Gonçalo M. Tavares, Maria Dulce Cardoso, Jorge Reis-Sá e tantos outros. Como alguns deles, sua revelação maior tem sido dada, além da obra, pela projeção de alguns prêmios, entre eles o Prêmio Literário José Saramago que o escritor ganhou em 2001.

José Luís Peixoto nasceu em setembro de 1974 em Galveias (Ponte de Sor). É licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Inglês e Alemão) pela Universidade Nova de Lisboa.


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