Carlos Drummond de Andrade inédito



Uma obra que talvez nunca deixe de ser inédita é a de qualquer grande escritor porque a cada época pode ela ser lida com uma disposição totalmente nova. Mas, a novidade que me veio pela imagem da capa da próxima edição da Revista BRAVO! foi, de imediato, a que me chamou atenção e logo compartilhei na minha página pessoal no Facebook. Depois, dei com uma matéria posta numa edição ainda de 2009, pela revista Veja sobre o achado anunciado pela anterior: os inéditos de Drummond, achados e em poder do professor e poeta Antonio Carlos Secchin, virão a lume numa edição a ser lançada em julho próximo, durante a Festa Literária Internacional de Paraty, que homenageia o poeta neste ano. 

A primeira obra que Carlos Drummond de Andrade publicou foi Alguma poesia, em 1930, com uma modesta edição com tiragem de 500 exemplares autocusteada. É desta obra os clássicos "No meio do caminho", "Quadrilha" e "Poema de sete faces"; ou seja, nem é preciso dizer que, mesmo o poeta não tivesse publicado mais nada depois disso já estaria no panteão dos grandes porque foram estes os poemas que deram finalmente, sem quaisquer filiações ou apologias ao período, a face daquilo que oito anos antes havia dado o grito de modernismo. Em 1922, o Teatro Municipal em São Paulo reunia um grupo de intelectuais que deram algumas comandas de um movimento em terras tupiniquins. As obras, entretanto, desse grupo foram produzidas no calor de uma inquietação artística, mas os ares do modernismo apregoado não circulavam com sua naturalidade ainda. Foi preciso que, mais os escritores, já de consciência (mais ou menos) livre dessa vazão a esse espírito. Evidente que Drummond este em correspondência por longa data com os do movimento como Mário de Andrade e Manuel Bandeira, mas entenda-se que a obra, por exemplo, seguiu-se livre da "receita" desenhada pelo Grupo de 22.

O achado intitula-se Os 25 poemas da triste alegria e, deles, doze são inéditos e os demais andaram circulando esparsamente em jornais como o Diário de Minas, onde Drummond publicou muita coisa sua. O original dessa obra, que data de 1924, estava desaparecido e muitos estudiosos chegaram mesmo a duvidar de sua existência. Mas, Antonio Carlos Secchin depois de alguns anos de pesquisa conseguiu localizá-lo e comprou o original de um amigo do poeta. O tesouro ficou sob cuidados até este ano. Em 1924, Drummond já namorado de Dolores, pediu-lhe para ditilografar 25 poemas; encadernou-nos num único exemplar e deu-lho a Rodrigo Melo Franco de Andrade, amigo que morava no Rio de Janeiro e que tinha contatos que poderiam ajudá-lo na publicação da obra.

Se Drummond tivesse aparecido com esse primeiro livro talvez não tivesse alcançado o êxito que com o Alguma poesia ele alcançou - suponho. São poemas em que o poeta já faz uso do verso livre, mas ainda não possuía aquela destreza poética que se faz sentir em poemas com os da obra de 1930; além do que, ainda vem carregados de um certo afrancesamento do verso, e tudo parece respirar de um certo artificialismo da forma. Agora, tantos anos depois, e Drummond já sendo o nome que é, a valia que esses poemas adquirem é outra: colocam os leitores de sua obra à frente do itinerário percorrido pelo escritor para antes de lapidar o que lapidou. A gênese de uma escrita, que como a de qualquer outro autor, nasce de busca incessante pela forma nova.

Num futuro não tão distante, a obra sua ainda poderá sofrer acréscimos. É que com Lygia Fagundes Telles, que conheceu Drummond em 1951, quando ambos eram funcionários do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o poeta confidenciou-lhe pelo menos três livros de poemas inéditos, que depois da morte da escritora, os familiares venderam o apartamento, recolheram o material e se recusam a divulgá-lo e até mesmo falar sobre o assunto.

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Abaixo reproduzo algumas das imagens com dois poemas inéditos da obra se publicada. A edição encontrada por Secchin ainda tem a novidade de vir anotada pelo próprio Drummond.


(clique sobre a imagem para ampliar) O trecho que está manuscrito lê-se: Na tarde cheia de doçura... Eu supunha haver chegado, com esse poema, a um alto grau de condensação lírica. Trabalhava matéria cotidiana e aplicava o gosto “penumbrista” da época a valores que me pareciam de uma originalidade incontestável. Na verdade, a “menina que perdeu o pai num desastre de trens” devia ser parenta próxima daquela outra “moça da estaçãozinha pobre”, de Ribeiro...


(clique na imagem para ampliar) O trecho que está manuscrito lê-se: Gravado na parede Este poema conquistou-me a admiração de Abgar Renault e valeu-me alguns (raros) sucessos mundanos. Foi muito recitado em Belo Horizonte. Creio que satisfazia a uma certa necessidade vaga de sofrimento amoroso, nos salões daquele tempo. Algumas pessoas, estimando estes versos, lamentavam que eu perpetrasse, já, coisas menos confessáveis no terreno poético. E esperavam que eu me corrigisse, o que desgraçadamente não foi possível.


Ligações a esta post:
Leia mais Carlos Drummond de Andrade em versos à boca  da noite


* Fonte: Revista Veja, edição 2138, 11 de novembro de 2009, "Drummond antes de Drummond".

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