Escrever: inspiração ou talento?
Mãos do escritor Jean Echenoz, 1987. Foto: Hannah Assouline. |
Lendo um artigo publicado no jornal espanhol El País no qual um grupo de escritores, entre eles Juan Gelman, refletem sobre a tarefa do escritor e oferecem algumas recomendações aos autores iniciantes e relembrando uma listinha de 10 conselhos de Carlos Drummond de Andrade editada pelo escritor Michel Laub a partir da crônica "A um jovem", me fiz a pergunta que colore esse post: Escrever é inspiração ou talento?
Acho que os conselhos dados pelos escritores já são provas mais que suficientes de que nem uma coisa nem outra existem se não for o sujeito extremamente cuidadoso com a profissão. E escrever é uma profissão? Bom, isso é debate para outro post, mas adianto, se não se encara como profissão, logo logo você deve correr para construir essa imagem. O excesso de modéstia, negando-se escritor, só deve durar e servir de encanto ao público quando já todos enxergarem-no como tal. E não deve durar muito. Portanto, cuidar dessa incubência é necessidade.
"A inspiração é a ocasião do gênio", assegurou Balzac. "A inspiração provém da terra e a terra tem um passado, uma história, assim como um futuro; a inspiração não provém do céu frio e imutável", completaria Joseph Conrad. Ao que William Faulkner acresceria, "O escritor só necessita de três coisas: experiência, observação e imaginação." E Gabriel García Márquez, "La inspiración no la concibo como un estado de gracia ni como un soplo divino sino como una reconciliación con el tema a fuerza de tenacidad y dominio".
Logo, inspiração e talento são nada mais que forças que só podem atuar em sua plenitude diante da disciplina e do trabalho com a palavra. Quanto estive durante dois anos no processo de escrita de minha dissertação de mestrado e, antes disso, de escrita de minha monografia de conclusão de curso, foram disciplina e trabalho os que me deram o produto final, ao passo que, se andasse à espera de inspirar-se não deveria ter ido a nenhum fim. Marcos Giralt um dos escritores entrevistados pelo El País vai nessa mesma esteira; o escritor deve "tener presente que la escritura es una disciplina que exige concentración y rigor; no creer en la inspiración sino en el trabalo; saber que éste empieza antes de ponernos a escribir, en la mirada, y que por eso hay que entrenar la pluma tanto como los ojos con los que vemos el mundo."
Duas observações ainda para se comprovar da inexistência isolada dos fenômenos da inspiração e do talento: ambos se confundem com predestinação. Para sentir-se inspirado teria o escritor aproximação privilegiada com determinadas forças-do-além; confunde-se a imagem racional do profissional com uma certa mística que num tempo favoreceu ao escritor certo status, noutro o transformou num herege e noutro ainda lhe rebaixou ao descrédito. Já o talento confunde-se com dom. E dom, sabemos, todos temos. Talvez não desenvolvamos plenamente, por isso a necessidade do exercício constante.
Vou, para concluir me utilizar de dois momentos ainda do artigo publicado em El País: um, é a fala do escritor Enrique Vila-Matas e o outro do escritor Alberto Manguel. O primeiro diz que escritor um principiante deve "tratar de driblar a plúmbea tradição acumulada e buscar percepções, ideias novas. Agora bem, para driblar é necessário haver lido previamente muito. Pode parecer paradoxo, mas somente tendo lido muito se pode tentar à aventura de ir em busca do frescor, do gesto que devolva à arte a potência que teve em suas origens." E Manguel: "1.Ler. 2. Ler. 3. Ler. 4. Ler. 5. Ler. 6. Ler".
E chamo Drummond: "Leia muito e esqueça o mais que puder. Só escreva quando de todo não puder deixar de fazê-lo. E sempre se pode deixar."
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