Alves Redol
Alves Redol. Foto: Sam Payo |
Já falei por aqui não poucas vezes que há um pacto entre escritor e leitor que é construído invisivelmente no momento em que o primeiro está a escrever sua obra. A função exata desse pacto é o a de ser "desafio" ao segundo elemento dessa relação. De modo que, particularmente, a mim interessam-me as obras que me desafiam. Assim foi com Alves Redol quando me deparei pela primeira vez com seu famoso texto, Gaibeus. Pois bem, já em Fanga o autor português assim se expressava: "Não é difícil entender-se o que escrevo e porque escrevo. E também para quem escrevo. Daí o apontarem-me como um escritor comprometido. Nunca o neguei; é verdade. Mas também é verdade que todos os escritores o são."
Para quem escreve um escritor? Essa talvez seja uma das perguntas que juntamente com por que escreve e o que escreve seja a mais buscada a resposta dos escritores. Curiosa pergunta que foi respondida a certa altura pela Inês Pedrosa num desses programas na televisão portuguesa que assisti dia desses, que o escritor escreve para si mesmo, apenas os mercantilistas pensam no leitor num momento tão individual como este. Talvez na resposta da autora de Fazes-me falta esteja a resposta que complemente a citação de Redol.
Depois é a ideia do compromisso. O escritor compromissado. Evidente que o maior compromisso de qualquer escritor é sua escrita. Mas, cá não devemos esquecer que, toda letra - no sentido de palavra, de signo linguístico - é carregada de ideologia, esse vocábulo que Jorge Amado um dia definiu como "merda". E, logo, quaisquer literatura - até a de botequim para Best Seller - desempenha um vru-vru ideológico, ou, para ser mais preciso, exerce o escritor um compromisso, intermediado pela palavra, que vai para além do meramente escrever.
Agora, haverá aquele escritor que fará o arcabouço social no qual está inserido tema para composição de sua escrita. E o que faz de Alves Redol ser autolido como escritor compromissado nasce daí. "Em todos os meus livros há sempre uma busca e há sempre uma experiência. Tenho uma visão do mundo, como é natural num homem que também é escritor. Conheço, por outro lado, o nosso país e muitos dos seus problemas essenciais; convivo com outros homens tanto quanto posso, fazendo uma experiência activa. Quero dizer com isto que não espero exclusivamente que a vida me entregue os seus frutos, confinando-me às recordações e aos acontecimentos quotidianos do citadino que hoje sou. Penso que, se o consentisse, seria totalmente um homem mais limitado. Aproximo-me entao do que me interessa, assistindo a mais acontecimentos, conhecendo mais gente. Depararam-se-me assim muitos problemas humanos." Ao se expor dessa maneira entenderemos que Redol é um dos poucos escritores que tinha na experiência vivida o seu elemento modelar para a escrita. Noutro momento, assim se expressará: "Se algum dia me perguntasse que aprendizagem deveria um jovem fazer para chegar a romancista, se o ofício se ensinasse, eu diria que enquanto a vida lhe não desse todas as voltas e reviravoltas, amores, sofrimentos, repúdios, sonhos, frustações, equívocos, etc., etc., (...) seria avisado que o mandasse ensinar a sapateiro, não para saber deitar tombas e meias solas, porquem nem para tanto ele usufruirá, às vezes, com a escrita, mas para que ganhasse o hábito de padecer bem, amarrado ao assunto durante largos anos, antes que provasse o paladar gostoso de algumas horas de pleno prazer."
Esse ideal de buscar na experiência do vivido matéria para composição do romancista é algo particular do Alves Redol, mas por si aperfeiçoado de um período do qual o próprio é o seu representante maior na Literatura Portuguesa, o neo-realismo. Construído pela influência daquilo que ocorria na Literatura de 1930 em terras brasileiras, o foco está no homem e suas relações com o espaço social, no homem e naquilo que o constitui ou ainda na relação de poder entre o homem e o homem.
Natural de Vila Franca de Xira, Redol iniciou a sua vida profissional não como escritor, mas desempenhando diversas atividades, primeiro em Angola e depois em Lisboa, quando aderiu ao Partido Comunista. Esses acontecimentos darão ao escritor uma experienciação da miséria e uma necessidade de uso da palavra como signo de presentificação para o mundo daquilo que se era já de conhecimento de poucos porque os demais cumpriam o dever de esconder ou camuflar a desgraça e logo a palavra também como signo de resistência, uma vez está o escritor situado num período difícil da história portuguesa: o regime do Estado Novo. Evidente que toda forma de resistência ao poder não de rara beleza; Redol foi, como qualquer um, vigiado e perseguido e mesmo detido por duas vezes pela PIDE, uma vez que sua obra foi de grande alcance popular.
Seu primeiro escrito é publicado quando tinha ainda 15 anos e trata-se de um artigo de opinião apresentado num jornaleco da sua comunidade. Depois a novela Drama na selva ublicado como folhetim em 1932, a qual se seguiram outras. Por esse período Redol também passa a colaborar com o jornal Mensagem do Ribatejo chegando mesmo até a dirigir no periódico em 1939, uma página literária. Depois de contos e crônicas, é editado entre 1938 e 1945 Glória, uma aldeia do Ribatejo, um estudo etnográfico que servirá de base - por várias aspectos - na composição de seu primeiro romance, Gaibeus, sendo este, apreciado pela crítica como o primeiro romance neo-realista publicado em Portugal. Daí, Redol inicia o ciclo da ficção temática ribatejana de camponeses e pescadores. É editado Marés, Avieiros e Fanga. Ao que se segue Horizonte Cerrado, Vidima de sangue, Olhos de água, A barca dos sete lemes, Uma fenda na muralha, Cavalo espantado, Barranco de cegos, lido pela crítica como o seu melhor romance, e O muro branco e Os reinegros.
Para o teatro compôs Maria Emília, sua primeira peça, Forja, O destino morreu de repente e Fronteira fechada. Deixou ainda publicações em Literatura Infantil, ensaios, conferências.
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