Por que ler os clássicos?



Não, não vou aqui recuperar Itálo Calvino e nem outra leva de escritores (clássicos) que se dispuseram a nos levar pela mão à leitura dos clássicos. Nem vou também aqui me deter tanto (quanto devia) na questão. Vou, antes, depositar algumas notas que podem ser tomadas como seminais a um texto mais acurado sobre a questão, tão logo o tempo me permita.

Tudo quanto vamos aprendendo na nossa vida passa por uma disciplina. Ler deve ser também uma disciplina. A princípio, obrigatória, para depois, enfim, tornar-se em algo corriqueiro. Necessidade. Somente quando sentirmo-nos insatisfeitos por no decorrer de um dia não termos lido uma página é que atingiremos o limite ideal da leitura. Mais ainda, somente quando não ficarmos satisfeitos com qualquer tipo de leitura é que atingiremos esse tal limite. E uma das formas que nos faz entrar nessa segunda possibilidade é quando lemos um clássico. Depois dele, tudo o que lermos depois corre o risco de ser insipiente àquilo que já lemos.

Recentemente estou confrontado com uma série de leituras não obrigatórias porque não há ninguém a me cobrá-las, mas porque julgo indispensáveis à minha formação. E são leituras do tipo desafiadoras porque fogem do lugar comum e provavelmente irão me proporcionar um degrau acima daquilo que já tive oportunidade de ler.

Se o ato da leitura deve ser uma disciplina, tem o leitor, de estabelecer metas. O que devo ler para essa semana, para esse mês, nesse ano e por que devo ler isso e não aquilo, são algumas das questões que devem nortear essas escolhas. Tenho em mim a certeza de que não é qualquer leitura o que me supre. Nem é talvez seja leitua de semana, mês ou ano. Mas, tenho minha lista particular.

Há certo tempo tenho feito isso. E tem dado certo. É uma cobrança interna. Militar de mim para mim: eu general, eu soldado. Assim foi para ler Dom Quixote, do Cervantes, Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa, Crime e castigo, do Dostoiévski, O processo - A metamoforse, de Franz Kafka - para citar alguns dos clássicos. 

A curta lista e o que venho aqui enumerando como disciplina de leitura e necessidade de suprir o que parece já suprido já identifica o que estou dizendo com o termo "clássico". São aqueles textos que, de certa maneira, estão no cerne, ou são basilares, para toda uma cultura literária. Evidentemente que são textos que introduzem nesse universo novas possibildades de manifestação do material artístico e, como são produtos de linguagem, são também precursores de novas formas, novos sistemas dentro do sistema linguístico em que se situam.

Como estudante de Letras tenho comigo uma certa necessidade de fazer determinadas leituras e vê-las não apenas o modo como essas leituras dialogam que meu mundo. Tenho necessidade de ver a máquina que opera os controles do texto. Seu esqueleto em funcioamento. O modo com o qual o escritor - seu artífice - introduz ou monta determinadas peças na composição de seu universo ficcional. É natureza de elaboração da escrita e do discurso aí operantes o que me instiga. Passei, portanto, da fase da leitura de encantamento. Estou na fase da leitura investigativa. E isso só me dado pelo contato com os clássicos. Os lugares-comuns não me dizem nada. Ou o que me dizem não me satisfaz o tanto que queria que me satisfazessem. Isso porque os lugares-comuns têm sido baixas recompilações daquilo que outros levaram anos a esculpir. Logo, no clássico, me satisfaço, porque o clássico me desafia. E sensação depois que imito vencê-lo é de que aproveitei bem o tempo. Se tivesse estado a ler quaisquer outras coisas me sentiria frustrado e, claro, sairia daí com um sentido de perda de tempo enorme.


 

Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A poesia de Antonio Cicero

Boletim Letras 360º #607

Boletim Letras 360º #597

Han Kang, o romance como arte da deambulação

Rio sangue, de Ronaldo Correia de Brito

Boletim Letras 360º #596