Poetar o amor
Atalanta e Hipómenes de Guino Reni |
Nesta semana dei-me, por obrigação
interna de leitura, embrenhar-me na Odisseia
– tarefa que, dizia ontem à noite a um amigo, não pensei nunca em enfrentar. Mas,
deuteronomicamente, há tempo para tudo – e o tempo para ler mais um clássico
chegou. Estou no instante em que Telêmaco é convencido à busca de Odisseu. Aqui
chamo atenção para Atena, a que parece trazer consigo um amor pleno e
adormecido pelo herói terreno. Isso vai se configurando à medida em que a deusa
vai atuando com favorecimento às ações da grande empreitada do filho de
Penélope.
As conformações desse amor de
Atena estão num campo da admiração loquaz. Mas, se configura aí em gestos uma expressão
que virá ser lapidada ao longo da produção poética universal – expressão,
aliás, que deve ser a mais cantada na poesia. Assume, inclusive, protocolos de
poético, ainda que saibamos não ser a poesia algo reduzido a um tema em
específico.
Antes da relação de simpatia
entre Atena e Odisseu, quem aqui nunca fez ou viu alguém despetalar uma flor a
narrar “Bem me quer, mal me quer; bem me quer, mal me quer; bem me quer, mal me
quer...” Alguém disse ser este o poema de amor mais fácil e universal que
alguma vez passou por nós. E o amor adquire aí nesse jogo como o rodízio de uma
espera, condicionada esta às linhas do tempo. Sobre a busca, a espera e realização
do amor – em suas mais diferentes formas – os poetas têm transformado esse
sentimento em arte de palavras, muitas lidas e tomadas pela verdade mais pura a
nós próprios. Poemas que desvelam sentimentos alheios, adivinham os nossos,
pressentem nossas emoções e nos coloca diante, sobretudo, de uma parte de nós
mesmos.
De noite, amada, amarra teu coração ao meu
E que eles no sonho derretem as trevas
Como um duplo tambor combatendo no bosque
Contra o espesso muro das folhas molhadas.
Noturna travessia, brasa negra do sonho
Interceptando o fio das uvas terrestres
Com a pontualidade de um trem descabelado
Que sombra e pedras frias sem cessar arrastasse.
Por isso, amor, amarra-me ao movimento puro,
À tenacidade que em teu peito bate
Com as asas de um cisne submergido,
Para que às perguntas estreladas do céu
Responda nosso sonho com uma só chave,
Com uma só porta fechada pela sombra.
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