Paulo Mendes Campos
Paulo Mendes Campos. Foto: Instituto Moreira Salles |
Paulo Mendes Campos nasceu em 28 de fevereiro de 1922, ano mítico para a cultura brasileira — acontecia aí a
Semana de Arte Moderna em São Paulo que o antecedeu por exatos dez dias. Seus ecos não
demorariam a chegar à Belo Horizonte do futuro autor, como sabem os
leitores de O desatino da rapaziada, de Humberto Werneck e Cenas de um modernismo de província, de Ivan Marques.
Mas o ano de nascença do mineiro foi do balacobaco também em inglês (apareceram Ulysses, de Joyce, e The Waste Land, de T.S. Eliot) e francês (Proust colocou o asmático ponto final em seu Em busca do tempo perdido) — línguas e literaturas com as quais o escritor se fez íntimo ao longo do tempo.
Criado com
nove irmãos em ambiente familiar de poliglotas e anglófonos, foi a mãe quem lhe
despertou o gosto pela poesia. Em 1937, conheceu o adolescente de mesma idade
Otto Lara Resende, em São João del-Rey, que seria seu amigo de toda a vida. No
ano seguinte, em Belo Horizonte, onde passou a morar, os dois rapazes
juntaram-se a Fernando Sabino e Hélio Pellegrino. Seria uma amizade — sujeita a trancos, barrancos, bebedeiras e reconciliações — até o fim. Pois com Otto Lara Resende, Fernando Sabino e Hélio Pellegrino ele iria ser um dos "quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse". Nenhum drama em especial, a não ser, claro, aquele comum às vidas de todos nós. No início da idade adulta, os quatro iriam se estabelecer no Rio de Janeiro, àquela altura um ímã para artistas e escritores de todos os quadrantes do Brasil.
Coincidências, aproximações, histórias paralelas. É de um pouco disso
que toda uma cultura é feita. O trabalho como guarda sanitário na antiga Diretoria de Saúde Pública de Minas Gerais não impediu que Paulo Mendes Campos iniciasse os cursos de odontologia, veterinária e direito. Sem concluir nenhum deles, frequentou também, durante um ano, o curso de aviador na Escola Preparatória de Cadetes, em Porto Alegre, mas foi só entre os anos de 1939 e 1945, quando exerceu o jornalismo, primeiramente em O Diário, de Belo Horizonte, e depois em outros periódicos da mesma cidade, como redator, que enfrentaria sua vocação "mais séria e mais alta", igualmente na prosa e na poesia, como observaria Otto Lara Resende.
Estreou na poesia em 1951 com A palavra escrita. Rezando
pelo evangelho de Carlos Drummond de Andrade, mas nunca derivativo, é um
poeta que merece ser relido, reavaliado. O diabo é que ele apareceu
justamente na rabiola da Geração de 45 (que promoveu uma guinada rumo ao
passado) e nas primeiras horas que antecederam o Concretismo (que só
vislumbrava o futuro). Os poemas de Paulo Mendes Campos, tão bem assentados ao presente,
líricos mas nunca sentimentais, ficariam um pouco à margem desses
movimentos tão contrastantes. O que de certa forma contribuiu para que
sua poesia fosse menos lida do que merecia.
Não foi o caso da prosa. Com Sabino e Rubem Braga em seu tempo, e com
o Otto dos anos finais, ele foi nada menos que um
clássico da crônica. Livros como Hora do recreio e Diário da tarde
dão testemunho desse talento para o texto mais breve que toca as
alturas. Não é pouca coisa. Tenho para mim que um pouco do melhor
espírito brasileiro se dá melhor nas ditas “artes menores”. Conversa
para boi adorniano dormir, isso de menor ou maior, claro. Mas o fato é
que triunfamos nessas modalidades menos consideradas. Veja nossa música
popular ou nossas artes gráficas (como a caricatura, a charge e o
quadrinho). Na crônica, que não é o mero essay dos ingleses,
mas algo diverso — ela é também herdeira do romance de costumes carioca,
daí sua agudeza para observar a vida mais comezinha —, Paulo Mendes Campos alargou os
limites do gênero, incluindo, além das habituais observações líricas e
cômicas, o rigor e o apetite de um leitor cultíssimo da melhor
literatura brasileira e universal.
Claro que ele falava de Ipanema, do chope, da praia e da vizinha que
passa. Falava também dos amigos, das mudanças nos costumes, das noites
mais escuras da alma, do nosso provincianismo cultural. Tudo isso, todas
essas delícias ou mazelas, são incontornáveis para qualquer grande
cronista. Mas Paulo Mendes Campos não ficava apenas à beira-mar. Como
novas gerações poderão comprovar a partir da leitura das reedições de
seus livros aqui pela Companhia das Letras, o mineiro foi um soberbo
tradutor de poesia (Borges, Whitman, Larkin e outros), leitor-ensaísta
fino e perspicaz (seus juízos acerca de autores como Pedro Nava,
Vinicius, Pessoa e Conrad são dignos da nossa melhor crítica),
jornalista literário ousado que chegou a tomar LSD para escrever uma
reportagem antológica. Um autor a um só tempo atraente, profundo,
popular e inventivo.
***
Paulo Mendes morreu no Rio de Janeiro, em 1.º de julho de 1991.
Ligações a esta post:
>>> Leia, na íntegra, poemas de Paulo Mendes Campos.
* Este texto foi publicado primeiramente no blog da Companhia das Letras. A casa passou a reeditar a obra do poeta e cronista mineiro.
* Este texto foi publicado primeiramente no blog da Companhia das Letras. A casa passou a reeditar a obra do poeta e cronista mineiro.
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