Virginia Woolf: a medida da vida, de Herbert Marder
Nos 130 anos de nascimento da escritora Virgina Woolf quero fazer a indicação aos interessados por biografias ou aos que querem se dá a curiosidade de conhecer mais da vida da escritora, do livro Virginia Woolf - a medida da vida, de Herbert Marder, publicado recentemente pela conceituada editora Cosac Naify.
Diferente das biografias comuns, que levam o seu escritor a um chafurdar a vida pessoal do biografado, Herbert parte da própria obra de Virginia - claro que, principalmente seus diários e cartas - para olhar, não pela primeira, afinal, outras biografias já houveram, mas olhar, sob novo ângulo a vida da escritora. O livro concentra-se
nos últimos dez anos de sua vida até seu suicídio, em
1941, durante a Segunda Guerra Mundial.
Em observação redigida para o catálogo da editora, o resenhista comenta que a obra de Marder "destaca a participação da escritora nos acontecimentos
políticos da época, sua revolta contra a discriminação das mulheres e a
interação com os amigos que formavam o chamado Círculo de Bloomsbury
(escritores e intelectuais que se reuniam na casa de Virginia Woolf no
bairro londrino de Bloomsbury, como o poeta T. S. Eliot, o crítico de
arte Roger Fry e o economista Maynard Keynes)."
Abaixo copio crítica de Fábio Silvestre Cardoso, publicada no excelente Jornal Rascunho e que melhor apresenta a obra.
SEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF
Não é de
hoje que o gênero biografia conquistou corações e mentes dos leitores mundo
afora. Dito de outra maneira, mas seguindo o mesmo raciocínio: a idéia de um
texto que versa sobre a vida de personagens ilustres da história não é recente.
Ocorre, todavia, que, de uns tempos para cá, mais e mais trajetórias têm sido
alvo preferencial desse tipo de abordagem, no Brasil e fora do Brasil. Os
pesquisadores ou mesmo os estudiosos da academia poderiam especular sobre a
razão desse fenômeno, cuja explicação fatalmente passaria pela sociedade do
espetáculo, tal qual prenunciada por Guy Debord, ou, ainda, pela urgência do grande
monde das personalidades, cuja origem também é o espaço que a cultura das
mídias ocupa nas vidas das pessoas. Em síntese, se antes apenas fazia sentido
Plutarco e suas Vidas paralelas, agora até mesmo o criador de uma
plataforma como o Facebook ou uma personalidade como Lady Gaga merecem
biografias. E os leitores, mesmo que sabendo quase tudo sobre essas pessoas,
aguardam por esse tipo de texto.Grosso modo, portanto, o gênero continua o
mesmo, mas agora abriga mais e mais biografados.
Diante do
que está escrito acima, por que motivo caberia comentar A medida da vida,
de Herbert Marder, a nova biografia de Virginia Woolf? A escritora inglesa,
membro do celebrado círculo de Bloomsbury, cuja vida já foi devassada a ponto
de não apenas ter merecido biografias, mas, também, novas criações ficcionais a
partir de sua vida, como a célebre (e, por isso, curiosamente pouco lida nos
dias de hoje) Quem tem medo de Virginia Woolf?, do dramaturgo Edward
Albee. Ou, mais recentemente, de As horas, de Michael Cunningham, que mais
tarde seria adaptado para o cinema, marcando no imaginário do público médio o
avatar interpretado por Nicole Kidman como sendo a Virginia Woolf (deve-se
pensar o cinema como a narrativa hegemônica do século 20 em diante). Ora, a
pergunta permanece, leitor, por que mais essa biografia, se tantas já foram
lançadas, resenhadas e comentadas?
Se
efetivamente o leitor fizer essa pergunta, não é uma dúvida banal, até mesmo
porque Virginia Woolf deixou para deleite de seus leitores uma seleta de seus
diários, que, por sua vez, funcionam como primeira leitura no tocante à vida da
autora de Ao farol. O texto de Marder, no entanto, possui o mérito de
ultrapassar o óbvio das narrativas jornalísticas e, para além dos meandros da
vida pessoal, prefere investir na interpretação de Virginia Woolf de acordo com
os textos da autora. Aqui, não se trata de mera reescrita dos textos já
produzidos, entremeados com trechos confessionais da escritora. Em A
medida da vida, Marder propõe ao leitor uma jornada assaz sofisticada na
tentativa de compreender as idiossincrasias de uma das mentes mais criativas do
século 20. Sai de cena a conversa sobre a vida ao mesmo tempo que ganha
destaque a rica interpretação literária, uma vez que o autor se dedica a reler
os diários com o objetivo de extrair ali o sumo da produção literária, o que
efetivamente interessa sobre a escritora.
Aqui e ali,
alguns biógrafos mais castiços podem torcer o nariz, afirmando que o texto de
Marder não passaria de um esboço biográfico, haja vista que no livro há pouca
novidade no tocante à revelação dos motivos de seu suicídio, ou ainda a
propósito de sua propalada defesa da emancipação feminina. E a resposta não
poderia ser mais objetiva, uma vez que a análise literária do biógrafo esboça,
a partir dos textos, uma nova relação de causa-e-efeito. Dito de outra forma, é
como se o objetivo primeiro de Marder tenha sido não somente a releitura, mas,
essencialmente, a tradução desses textos para os interessados na obra de Woolf,
algo que mesmo os críticos mais tarimbados encontraram dificuldade em realizar.
Assim, existem no livro inúmeras passagens que são claras leituras que promovem
a transposição “do texto para a vida”, como o trecho a seguir:
Assim o ato
de dar à luz, a ascensão e queda das civilizações e o fluxo de palavras numa
frase são tecidos juntos por um ritmo em comum, ligando-se ademais a outros
motivos: a revolta de Virginia contra a frase “masculina” e as convenções
vitorianas; seu hábito de ir compondo frases durante longas caminhadas diárias;
e seu uso do andar, na ficção, como um motivo. Essas imagens e suas
associações, secundadas pelo quebrar das ondas e o rio a correr, formam uma
tessitura simbólica que nos traz mais perto a própria Virgínia, não por
explicar, mas por lhe estabelecer a presença, convidando-nos a ver as coisas
como ela via.
Em outra
passagem, o autor repara na incidência das aproximações feitas por Virginia em
relação à água, salientando que tais imagens se originam de um projeto
estético-literário previamente concebido, algo que resultaria no texto de As
ondas, sem dúvida um de seus livros mais célebres. Do mesmo modo, mesmo quando
se propõe a tratar das questões vinculadas ao estado de ânimo de Virginia
Woolf, o autor investe na associação dos textos com a produção literária da
escritora. E é curioso perceber que até uma escritora do talento de uma
Virginia Woolf se sente insegura diante da recepção da crítica, como ressalta
Marder: “Uma crítica negativa era perigosa, ameaçando sua crença no trabalho e
seu sistema de sobrevivência. Depois de cada livro, esboçava mentalmente uma
planilha, com opiniões favoráveis e desfavoráveis, e começava tudo de novo — a
maceração, o ajuntamento de idéias”.
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