Autores consagrados

Por Pedro Fernandes



Num texto para o blog Papeles Perdidos, Maria Inés Amado, a partir de uma leitura para o Babelia da escritora argentina Leila Guerriero, reflete acerca do termo e busca para si algumas definições, mesmo sabendo que é essa categoria tem sentido escorregadio e, logo, é contraditória. O que seria, então, um escritor consagrado? Pergunta-se. “Alguém com grande prestígio e um grupo infinito de leitores? Alguém que, mais que leitores, têm devotos? Alguém que capturou as angústias de toda uma geração e soube traduzi-las numa obra? Alguém que é produto de uma estratégia de marketing editorial? Tudo isso, mais que isso ou nada disso?”

Eis aí pano para a discussão. Sim, porque haverá os que enquadram em todas as categorias e aqueles que nunca sequer pensaram nelas para se tornarem consagrados. Enrique Vila-Matas, em texto para o referido Babelia e indicado por Maria Inés, intitulado “Fracasa otra vez”, relembra de quando foi convidado para participar de um congresso que discutia sobre o fracasso pergunta: “Se neutraliza esteticamente o fracasso na literatura?”. Para o escritor, não seriam poucos os escritores que desejariam serem possuidores do fracasso para se situarem, por exemplo, no panteão dos artistas românticos. Como sabemos, o período ficou famoso pela entrega total dos escritores à boemia, num espécie de suicídio lento, ou por que não, de “fracassamento”, e lindo era ser assim para se firmar para a posteridade. A literatura brasileira está cheia deles. Fracassar para posicionar-se privilegiadamente.

Mas, vamos admitir que essa posição deixou de ser tão privilegiada. Ultimamente, concorda Vila-Matas, “em pleno apogeu do culto ao êxito, o fracasso passou a ser simplesmente um puro e duro fracasso; e mais, para qualquer escritor atualmente é, o fracasso, uma ameaça permanente, incluindo já desde seu primeiro livro.” E vou recorrer a Saramago, que nos seus primeiros anos, lança-se escritor, por conta própria, como a grande maioria assim fez, isto é, lançam-se já fracassados, e tem o seu A viúva transformado em Terra do pecado e, mesmo com essa intervenção editorial, o livro sucumbe e só vem se tornar produto de luxo, quando já o escritor havia sido consagrado. Mais tarde, depois do Prêmio Nobel de Literatura – o símbolo máximo de sagração – tem-se que o escritor, como muitos, já tenha mais a fazer e não faltará a crítica dizendo que a produção literária do escritor português, desde então, cai, vertiginosamente em qualidade. Cai, mas não fracassa. Outros, entretanto, fracassaram. Tão importante quanto se perguntar o que faz um escritor ser consagrado, talvez seja também se perguntar, o que fazer, depois de consagrado para permanecer enquanto tal.

No mesmo tom, o da sagração, não o do fracasso, Maria Inés cita o texto “Borges entre señoras”, do peruano (consagrado) Mario Vargas Llosa. O texto é uma apreciação crítica de Llosa sobre uma fase em que o escritor argentino escrevia para um periódico feminino. Reconhece Llosa que Borges, já nesse tempo, era genial, o que, deduzo, poderia sê-lo já consagrado. Olhar que deve ser pesado os vários ângulos: quem olha o Borges dos anos 1930, olha-o consagrado. Llosa, diante dos escritos, entretanto, se encanta: “Revela um escritor dono de um estilo firme e próprio, enormemente culto, com um ponto de vista que lhe permite dar opinião sobre poesia, novela, filosofia, história, religião, autores clássicos e modernos e livros escritos em diversos idiomas, com absoluta desenvoltura e, frequentemente, notável originalidade. Um colaborador que semanalmente comentava a atualidade literária no mundo com a lucidez, o rigor, a informação e a elegância como o que Borges fazia em El Hogar, dera um grande prestígio às mais exigentes publicações intelectuais dos considerados então nos eixos culturais da época, como Paris, Londres, Nova York.” Ou seja, para alguns, como Borges, a consagração independe do fracasso e depende única e exclusivamente da capacidade do escritor em pôr-se no contexto ao qual pertence e lê-lo com as matizes do que se espera do olhar de quem escreve.

Por fim, vale citar outro texto apresentado por Maria Inés, “La querencia del maestro”, também de Vargas Llosa. Ao comentar sobre a grandiosidade da obra de Tolstói, Guerra e paz – livro com “suas quase 600 personagens tão bem diferenciadas, suas epopéias e suas misérias, sua atitude por elevar-se sobre suas limitações e defeitos e alcançar o heroísmo, a sabedoria e santidade, ou fundir-se na vileza, na mediocridade e chegarem já sendo nada” – Llosa ver o escritor russo como aquele que foge a todas perguntas que acima Inés esboça: “Provavelmente Tolstói nunca foi consciente de seu feito. Estava sempre demasiado entregue a seus projetos revolucionários, à escola para os filhos e os empregados com os quais ensaiou métodos educativos próprios e cujo ainda está preservado, ou à maneira de reduzir a concupiscência e os apegos materiais aos que sucumbiu tantas vezes sempre com certo remorso e propósito de alteração, ou ainda em seu esforço para fazer algo à religião a fim de jogar fora todas as formas de superstição, preconceito e obscurantismo e agradar a natureza humana.”

Parece que as três situações esclarecem um tanto o que tirei como prévia conclusão quando concordei que, é possível que um escritor consagrado deva preencher todos os quesitos postos em questão, ou não, apenas conduzir-se pelo seu próprio esforço para fazer algo que o coloque em evidência e isso não é dado apenas com soluções elaboradas previamente. Talvez no mundo de hoje as elaborações prévias devam mesmo existir, mas não distintas daquilo que lograria o termo “consagrado” ao escritor. O que as três situações têm em comum é que todos os casos os escritores tiveram de desapegar do clichê e se recriarem, porem-se inventores do inusitado.


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