Miacontear - Inundação
Por Pedro Fernandes “ Minhas lembranças são aves. A haver inundação é de céu, repleção de nuvem. ” * O traço de sonho do im possível é uma constante, como já notei em “O homem cadente”. O conto “Inundação” recupera outra vez essa dimensão que se intercala por outro traço, o da memória. Envolto numa atmosfera onírica, temos aqui o tom agridoce da recordação que perscruta o espaço da casa e os movimentos da figura materna - como a figura central, que ordena (no sentido de organizar, cuidar), a que põe sentido, mas também com a que padece de um estágio de submissão pelo tom com que são trabalhadas e retrabalhadas a ideia do canto materno: “Bastava que a voz de minha mãe em canto se escutasse para que, no mais lúcido meio-dia, se fechasse a noite. Lá fora, a chuva sonhava, tamborileira. E nós éramos meninos para sempre.” (p.25). Tal gesto, Mia Couto parece copiar de um poeminha de Paulo Leminski: “Minha mãe dizia: / - Ferve água!/ - Frita, ovo!/ - Pinga, pia!/ E tudo obedecia.” A