Mudar para (re)estabelecer autonomia
Por Pedro Fernandes
Talvez não seja esse o interesse por debaixo do novo acordo
ortográfico às portas de vir a ser a norma da vez para os usuários da língua
portuguesa. Mas ao menos foi o que pude concluir depois da fala do professor
Carlos Reis hoje, dia 24 de novembro, na conferência de abertura da segunda
tarde do Encontro de Escritores de Língua Portuguesa (EEPLP) posto em andamento
já desde ontem, 23 de novembro, na Academia Norte-rio-grandense de Letras. Não posso
deixar de registrar, entretanto, que não entendi o porquê de um tema tão
político e já decidido os seus rumos ainda poder ser motivo de fala e, ainda
mais, fala dentro de um evento com escritores, sobre literatura.
O Brasil como integrante primeiro da cúpula tem toda
capacidade, disse o professor, pela dimensão territorial (e logo por ser o país
que reúne a maior quantidade de usuários do português como língua materna) e
pela boa posição internacional que hoje ocupa e deve ser o responsável por
conduzir politicamente essas mudanças. Elas são úteis e necessárias e o
crescente número de portugueses que faz pouco jus ao caso é que ainda estão entrincheirados
na pequenez de seu país e não abdicam do sentido de colonizadores que foi,
aliás, a condição maior de Portugal noutra época. Basta que se diga sobre isso
que, até a década de 1970, o país ainda insistia em manter colônias na África,
por exemplo.
Na prática, se o acordo não se dirige diretamente ao uso do português
enquanto expressão de comunicação verbal (afinal, todos permanecerão falando
tal qual falam, e outra, um controle da fala seria uma ditadura) dirige-se ao
uso do português enquanto expressão de comunicação escrita. E isso é válido
para pensar, por exemplo, na estranha necessidade que se criou em ter
tradutores e traduções quando o caso é a criação de documentos de cunho
internacional de interesse comum à comunidade que tem o português como língua
oficial. Diferentemente de línguas, como espanhol, que já vem, desde há muito,
primando por homogeneidade linguística, o português, vem, também desde há muito,
se firmando por uma dispersão linguística.
Parece válido retomar aqui o que o Prêmio Nobel de
Literatura José Saramago certa vez disse a respeito do fato. As reformas vêm e
vão. E até hoje, com todas as que o idioma já passou, ninguém ouviu falar de
uma patologia clínica surgida da mudança ou algum registro de morte de alguém
por não dar contas da nova maneira usual da escrita. Fato verídico.
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