Considerações do poema, considerações do poeta
Por Pedro Fernandes
Carlos Drummond de Andrade. Foto: Arquivo Folha de São Paulo |
“Entendo que poesia é negócio de
grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem
apenas verseja por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de
contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos
cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da
ação.”
Estas foram as palavras de quem por longa data, a vida inteira, para ser mais
preciso, dedicou-se ao fazer poético, atividade que certamente, e os livros e a
crítica estão aí para provar isso, ultrapassou o sentido da outra função que
veio a exercer a vida inteira também, a de funcionário público. Estas palavras
foram as de Carlos Drummond de Andrade, poeta de alma e de ofício.
O que pretendo ver nestas suas
palavras é o entendimento, ainda que breve, do poeta em diálogo para com a
tradição e a constituição de seu talento no corpo desta tradição, entendendo
que o poeta não é, em momento algum, instância deslocada do meio e das outras
vozes poéticas onde se insere – fazendo jus aos versos do poema de João Cabral de Melo
Neto, de que um “Um galo sozinho não tece a manhã, ele precisará sempre de
outros galos”.
“Estes poetas são meus. De todo o orgulho, / de toda precisão se incorporaram / ao
fatal meu lado esquerdo. Furto Vinicius / sua mais límpida elegia. Bebo em
Murilo. / Que Neruda me dê sua gravata / chamejante. Me perco em Appolinaire.
Adeus, Maiakovski. / São todos meus irmãos, não são jornais / nem deslizar de
lancha entre camélias: / é toda a minha vida que joguei”.
Os versos são de “Consideração do poema”, poema que abre A rosa do
povo, livro escrito no que podemos chamar de a fase da maturidade poética de
Drummond. Para bom entendedor, verá que o poeta através desses versos
reconhece-se que, sozinho, o seu completo significado é falho, que na sua
avaliação, o seu significado é a avaliação da sua relação com os poetas e os
artistas outros anteriores a ele, e que, portanto, já compõem o mote de uma
tradição. Isso não será comum apenas em Drummond; isso é característica de toda
poesia contemporânea.
Ao dizer que bebe de Murilo, ao pedir de Neruda sua gravata chamejante, ao perder-se de Appolinaire, ao
dizer que furta Vinicius e ao dar adeus a Maiakovski, o que o poeta faz é se aproximar da tradição para nela se inserir. Essa inserção, no entanto, não
será dada apenas por essa voz lírica que em retomando nomes procura a eles se
igualar, mas é mostrando-se em relação, por vezes conflituosa, por vezes de
clara admiração; aos nomes da tradição que ele enquanto poeta carrega
grandes dificuldades – “é toda a minha vida que joguei” –, merece seu lugar – “Uma pedra no meio do caminho / ou apenas um rastro,
não importa. / Estes poetas são meus. De todo orgulho, / de toda a precisão se incorporaram/ao
fatal meu lado esquerdo.”
A obra de Drummond é nova na corrente da tradição; seu ajustamento nela é
consequência do lapidar poético; seu ajustamento é uma prova de seu valor para
a literatura universal, apesar de que isso, assim como tem acontecido a Machado
de Assis ou a João Guimarães Rosa, entre outros, não se figure tão claramente dadas as
circunstâncias políticas; é o território das letras é também movido por um jogo
político, o que não nos vem falar do caso.
Mas, deixemos as relações em suspense. Passemos ao eco do que Drummond
deixou-nos. Sim, porque, “Consideração do poema”, tornou-se em filme,
produzido pelo Instituto Moreira Salles especialmente para aquele dia 31
passado, o Dia D: Dia Drummond. A homenagem idealizada pelo IMS que contou
com diversos parceiros para comemorar a data de nascimento do poeta
mineiro. No vídeo em questão leem poemas de Carlos Drummond de Andrade nomes
importantes da cultura brasileira, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton
Hatoum, Fernanda Torres, Adriana Calcanhotto, Marília Pêra e Antonio Cícero.
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