Querelle, de Rainer Werner Fassbinder
Obra póstuma do diretor alemão aborda a visão pessimista sobre as relações humanas na sociedade do pós-Segunda Guerra
Um filme póstumo que carrega consigo o sentimento de morte,
anunciado em cada um de seus fotogramas. Assim se pode definir Querelle,
dirigido pelo alemão Rainer Werner Fassbinder, que morreu aos 37 anos, dias
após a conclusão das filmagens. O longa é um trabalho marcado pela pulsão da
morte, que se opõe à de vida, assim como o impulso de destruição se opõe ao de preservação.
Uma música cantada em cena pela personagem de Jeanne Moreau ainda insiste na questão:
“Todo homem mata as coisas que ama”, ela diz, cantarolando palavras de Oscar Wilde.
A trajetória do marinheiro que dá nome ao título do filme é
feita de uma combinação de amor e morte. Ele mata um companheiro da marinha,
seu suposto amante, e no rastro do desejo que sua passagem provoca todo um jogo
de espelhos, de reflexos e de repetições conduz a violências e assassinatos.
O amor é mais frio que a morte, título do primeiro
longa-metragem de Fassbinder, feito em 1969, já anunciava sua visão de mundo
amarga e desiludida. Em vez de decretar a morte do amor, Fassbinder usou o
sentimento para fazer ver que nas relações humanas predomina um exercício de
dominadores e dominados, em que amar é menos importante, no fim das contas, que
destruir.
Durante os curtos 13 anos em que filmou, o realizador alemão
assinou 43 títulos, todos indicadores, de forma direta ou indireta, de sua visão
niilista da natureza humana. Nascido durante os últimos bombardeios que deram
fim ao regime militar de Hitler, Fassbinder levou para o cinema também uma
leitura extremamente pessoal e cínica das transformações da sociedade alemã do
pós-guerra em filmes como os da trilogia sobre a Alemanha Ocidental feita a
partir de retratos de mulheres (composta por O Casamento de Maria Braun, de
1979, Lola, de 1981, e O Desespero de Veronika Voss, de 1981). Oriundo do
teatro, seus filmes guardam a influência das idéias de Bertolt Brecht, que
propunha um distanciamento do espectador em relação ao encenado a fim de que o
indivíduo pudesse exercer consciência crítica a partir do drama. Por sua atenção
ao universo feminino e por sua utilização do gênero melodrama, Fassbinder é
considerado uma forte referência para o trabalho do espanhol Pedro Almodóvar.
* Revista Bravo!, 2007, p.75.
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