Miacontear - Os machos lacrimosos
Por Pedro Fernandes
Aproveitando a máxima de que homem não chora, tão em vigor nos cenários sociais onde a figura masculina deve se portar como um autêntico da espécime, Mia Couto subverte o ditado com este conto “Os machos lacrimosos”. Também subverte a ordem de que o sorriso muda o mundo. Em tempos de espalhados risos - em sua grande maioria falsos-risos - o autor de O fio das missangas vem lembrar que o que essa humanidade carece não é dentes à mostra, mas sim, de lágrimas.
O cenário é o Bar de Makatuane, onde, periodicamente, se reúne um grupo de amigos para distribuir entre eles prosa e riso. Até que um deles, Luizinho Kapa-Kapa, “o grande animador dos encontros”, muda o cardápio da prosa por uma notícia tristonha. Que história é essa não sabemos, mas sabemos que seu tom leva toda a macharada às lágrimas.
O inusitado é que depois do secreto episódio, a prosa de lágrimas passar a ser lugar-comum e, nos encontros seguintes nenhum dos participantes quer saber dos gracejos, somente das lágrimas. Uma reunião de machos carpideiros. Alguém até propõe uma associação para acompanhar os cortejos fúnebres. Mas não - “lágrima pública ainda é coisa para o mulherido”.
O excesso de choro desses machos corresponde à quantidade de lágrimas encalhadas de uma vida inteira de contenção de choros, se sabemos que ao longo das gerações não se foi permitido ao homem chorar ou mesmo cada homem é educado desde a infância à regra “engole o choro, homem não chora”.
Pela via do inusitado, o conto de Mia Couto deve querer nos perguntar: não estaria nesse estágio contínuo de sufocamento das lágrimas a resposta para o excesso de irracionalismos cometidos pelos homens?
A resposta pode ser dada com o rumo que tomará cada um dos integrantes do grupo dos lacrimosos. A coisa vai se tomando uma forma que chega o dia em que o choro vai transformando o comportamento asco desses homens. São agora homens responsáveis, atenciosos com suas mulheres e famílias, respeitam os limites da bebida, enfim, são avesso daquele grupo dos risos.
Tanta mudança só faz respondermos que não rir não é mais o melhor remédio, mas chorar. Chorar liberta os sentimentos. Amaina os ânimos. A lágrima é, no fim das contas, o que nos difere da irracionalidade dos animais. “[...] chorar é um abrir do peito. O pranto é o consumar de duas viagens: da lágrima para a luz e do homem para uma maior humanidade. Afinal, a pessoa não vem à luz logo em pranto? O choro não é nossa primeira voz?” (p.110).
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>>> Acompanhe aqui a leitura dos contos de O fio das missangas.
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