Doze livros que revolucionaram a poesia
Na história
das formas literárias, o gênero lírico é o que menos apresentou variações;
talvez a sua mais radical apresentação tenha sido aquela que no Brasil se iniciou
com o movimento concretista – um desejo de construir uma estrutura objetiva,
básica, densa, capaz de fundir em alta temperatura de linguagem, o signo, o
significante e o significado. Depois disso, as variantes combinam elementos da
linguagem artificial dos computadores e outras intervenções eletrônicas,
tornando o material poético num misto de criação e performance realizáveis num
só tempo e de maneira única mas capaz de se tornar noutras naturezas
expressivas.
A lista de
obras a seguir está longe de ser definitiva, mas com certeza reúne títulos que,
desde sua publicação ou descoberta transformaram o fazer poético de maneira a
marcar um antes e um depois dele ou ainda por terem sido feitos centros a
partir do qual irradia – seja temática, formal e estruturalmente – uma geração
diversa de criações. Não é, como todas as listas apresentadas neste blog, um
ranking e, como toda sequência do tipo, está sempre fadada a não corresponder à
compreensão ou mesmo aos gostos de todos os leitores. É, entretanto, uma boa
introdução ao universo da criação literária cuja força reside no trabalho da criação.
- Sonetos, de William Shakespeare
O dramaturgo
inglês não foi apenas o autor de algumas das peças mais significativas da
literatura de todos os tempos. O conjunto de 154 sonetos publicado em 1609
surpreendem pela riqueza, diversidade temática e o rico diálogo que constrói com
sua obra teatral – muitos dos poemas são uma clara percepção das visões de suas
personagens trágicas. Os desejos e amores de um jovem rapaz, a efemeridade da
vida, os perigos, os desejos, o amor, a frustração amorosa, a beleza, a
passagem do tempo – tudo isso e mais o leitor atento encontra nessa obra.
- Paraíso perdido, de John Milton
Seu autor
foi um dos maiores intelectuais de seu tempo; apoiador da Revolução Puritana
Inglesa que depôs e matou o rei Carlos I e proclamou a República em 1649. Paraíso perdido é uma das obras maiores
do século XVII. Foi publicada em 1667 com dez cantos; em 1674, o escritor fez
uma revisão e ampliou o texto para doze cantos. Integra a tradição épica a qual
pertence obras como a Ilíada e a Odisseia, de Homero, a Eneida, de Virgilio e a Divina comédia, de Dante. O texto foi escrito
durante quando Milton estava na desgraça logo depois da restauração da
Monarquia em 1660. Inspirado no Gênesis, o poema narra a rebelião de Satã contra
Deus, a criação do mundo e a queda do homem pela desobediência de Adão e Eva no
jardim do Éden.
- Don Juan, de Lord Byron
O poema é
uma subversão do mito de Don Juan. Aqui, Byron trata de descrever a personagem
principal não como um conquistador cruel e insaciável mas um homem facilmente
seduzido pelos mulheres; a subversão é, na verdade, uma recuperação das
interpretações anteriores do mito tal como apresentada por Molina, Molière ou
Mozart. Organizado primeiramente em doze cantos – depois em dezesseis e o incompleto
décimo sétimo que escrevia quando morreu em 1824 – Don Juan é sátira brilhante e uma obra-prima da literatura
universal.
- Fausto, de Goethe
A criação
desse poema ocupou toda a vida de Goethe: a primeira versão foi composta em
1775; depois foi composta a segunda versão em 1791 e, finalmente, em 1808, a
obra foi publicada. Mais tarde, em 1826, o alemão começou a redigir a segunda
parte que só veio a lume depois da morte do escritor, em 1832. Trata-se de um
poema trágico e foi redigido como uma peça de teatro com diálogos rimados;
desde sua publicação foi considerado uma das obras-primas da literatura alemã e
depois o último grande poema dos tempos modernos. Para Thomas Mann este é um
livro “incomensurável” que “abrange em seu interior três mil anos de história
humana”.
- Eugene Oneguin, de Alexander Pushkin
Considerado caso
único entre os clássicos da literatura moderna; um romance escrito em versos
mas sem quaisquer matérias dos épicos anteriores. O tecido do poema é o desencontro
amoroso com fortes elementos do romantismo. Oneguin é um dândi – cuja
inspiração teria sido a do poeta inglês Lord Byron – que se divide entre o spleen e o tédio de quem viveu a
intensidade a ponto de perceber seu vazio, até quando conhece o poeta Vladimir
Lenski e as irmãs Olga – prometida de Lenski e Tatiana Lárin, que se apaixona
por Oneguin e escreve uma declaração que ele rejeita. A marca do livro é a
forma: composto por sonetos sem divisão de quartetos e tercetos.
- Folhas de relva, de Walt Whitman
Este livro ocupa
o lugar de fundador da poesia moderna estadunidense. Quando publicado, a obra
foi ignorada e ridicularizada pela crítica; tardiamente foi reconhecido como um
trabalho de extrema valia, seja pelo caráter experimental do verso, seja pela
maneira como o poeta trata, sem restrições, de questões sobre a sexualidade e a
religiosidade destituída dos dogmas. Ao todo, foram sete edições que acompanham
a diversidade de temas recorrentes no dia-a-dia dos estadunidenses. Durante quarenta
anos Whitman burilou a forma e maneira de registrar poeticamente sentimentos, opiniões
e acontecimentos sociais pela poesia.
- Poemas, de Emily Dickinson
Falta à
biblioteca de poesia brasileira um título que reúna integralmente a obra poética
de estadunidense. Mas, há algumas antologias que servem ao leitor como uma
importante introdução; eis alguns exemplos:
Uma centena de poemas (T. A. Queiroz, 1985); Não sou ninguém (Editora da Unicamp, 2008); Emily Dickinson. A branca voz da solidão (Iluminuras, 2011). Vale
lembrar que no total são cerca de 1750 poemas que vieram a lume depois da morte
de Emily – quase todos emulações de seu cotidiano recluso e com forte traço
modernista seja quanto à construção do verso, seja sobre os temas tratados.
- Poesia completa, de Arthur Rimbaud
Diferentemente
de Emily Dickinson, há quase uma década temos o privilégio de uma edição com
poesia integral de Rimbaud. O bardo de Charleville foi precoce; esnobe da
poesia de salão e da repetição técnica no fabrico
do poema, muito jovem, numa condição muito alheia a tudo, compôs uma obra
singular recebida primeiro com recusa – mais pela posição avant-garde de seu comportamento que pela posição crítica sobre seu
trabalho – e logo querida pelos seus sucessores e tornada em modelo para a composição
do que até agora se revela audaciosamente como revolução criativa. A edição brasileira
é produto do acurado trabalho de mais de trinta anos do poeta Ivo Barroso.
- As flores do mal, de Charles Baudelaire
Depois de
Rimbaud, Baudelaire terá sido outro poeta marcante na história da poesia. Nesse
livro, publicado em 1857 e logo censurado, tudo é criteriosamente bem elaborado,
dado ao exercício repetitivo do poeta em lapidar até o mínimo detalhe sua
poesia; estão aí maneiras totalmente autênticas de tratar de temas como a
expulsão do paraíso, a queda do homem, a morte, o amor, o exílio, o tédio, a decadência,
o erotismo... Baudelaire compôs com As
flores do mal o que disse Paul Valéry: um livro que não contém poemas, nem
lendas, nem nada que tenha a ver com uma forma narrativa; não há nele sequer um
discurso filosófico, nem política; é um livro, diz Baudelaire, que reúne todo
pensamento do poeta, todo o coração, toda religião, todo o ódio.
- A terra desolada, de T. S. Eliot
O autor
deste título é, sem dúvidas, um dos maiores e mais influentes poetas e críticos
modernos; o livro reúne trabalhos que marcam sua estreia poética dada em 1915
na revista Poetry, de Chicago, e
outros poemas reunidos para o que foi seu primeiro livro. Foi publicado em 1971
e logo o poema que dá nome à antologia tornou-se um dos mais importantes textos
da poesia modernista. A permanência no exercício bem elaborado do poema marcada por outras importantes obras como Quatro quartetos, publicados de 1934 a
1942, reafirmam o valor inestimável da poesia de Eliot para o trabalho
literário de poetas de toda parte do mundo.
- Os cantos, de Ezra Pound
Este talvez
seja o último maior dos empreendimentos literários da história literária. O
longo poema de cerca de cinco mil versos é o que a crítica costumeiramente chama
de um épico sem enredo, não estruturado sobre uma sequência lógica e cronológica
mas parte de associações, leituras, recordações e marcado por uma linguagem
ágil e multifacetada. O trabalho de Pound com esse projeto de toda uma vida (e
ainda terá ficado incompleto) foi tornar um único poema os 120 cantos ao modo
da antiga poesia épica.
- Uivo, Kaddish e outros poemas, de Allen
Ginsberg
Publicado no
outono de 1956, o longo e profético poema foi censurado pela polícia
estadunidense acusado de se tratar de uma obra obscena. Tornado Best-Seller, a
obra logo passou a ser uma fonte indispensável para todos aqueles cujo
interesse seja o de penetrar nos estágios de iluminação atravessados por um
poeta. A obra não apenas uma marca do Movimento Beat, é uma reinvenção do poema
agora invadido pelo acorde rítmico do jazz,
pela espontaneidade e pela incursão denunciativa sobre uma geração e uma cultura
cuja forma adquiriu ars de ameaça à
sobrevivência do homem e do planeta.
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