Capitães da areia, de Cecília Amado
Por Pedro Fernandes
Todo filme produzido no Brasil,
ainda é, para os seus produtores uma saga. Vou mais além: todo artista, para
viver de arte por aqui, está condenado ao limbo, antes da morte. É fato que a
humanidade tem se tornado mais tecnicista. E em terras tupiniquins o tecnicismo
nascente deixa se contaminar por outro mal — a má formação cultural. Logo, com
esse Capitães da areia, filme homônimo ao romance de Jorge Amado,
que se sagrou na contramão do que disse antes sendo um dos escritores mais
vendidos dentro e fora desse país, não foi diferente. Imagino que Cecília Amado
não tenha herdado o bom santo que favoreceu as vendas de livros para o
seu avô e deve ter sofrido o diabo para por nas telas o livro mais conhecido de
Jorge.
Não quero subestimar esse esforço,
mas não quero me guiar por ele para tecer elogios falsos a um produto que é
genuinamente brasileiro e que brota de uma obra das mais bem acabadas de Jorge
Amado. Logo, antecipo, a conclusão, e digo que Capitães da areia, é
um daqueles filmes não brilhantes mas que carecem de um comentário. E digo o
porquê.
A escolha do elenco é talvez a
mais acertada. A fotografia respira Salvador de lés a lés. Também estão lá a
rica cultura baiana, suas danças, comidas, tradições, os becos e vielas da
Cidade Baixa, o sotaque inconfundível do baiano, suas gírias... Mas o trabalho
com o elenco deixa a desejar. Os meninos atores não têm expressividade, de modo
que a trama segue morna, nalguns momentos tesa, com falsos tons de fala, e
parece estarmos diante daqueles teatros amadores (o termo é utilizado
aqui no sentido negativo mesmo). Faltou exercício de interpretação com a garotada,
tal qual fizeram com aqueles atores de primeira viagem no Cidade de
Deus, outra peça derivada da leitura de uma obra literária.
Outro elemento citável é o enredo.
Para os que leram o romance de Jorge Amado verão que, como na escolha do
elenco, Cecília foi fidelíssima à narrativa original. Entretanto, é lição
primária que, a simples transposição de obra literária do papel para tela é
insuficiente. Cabe ao criador a proposição de alternativas que acrescentem a
experiência do material verbal. Agora, quem não leu, ficará mesmo tentando
entender o rumo de determinadas histórias no interior da trama e achará o fim
contado pelo Professor coisa feita às pressas, como se a verba do filme
acabasse ali e não desse mais para rodar a película.
A grandeza dessas falhas é
suprimida pela beleza sensorial das imagens, pela riqueza da trilha sonora e
dos efeitos de som. O filme não se faz panfletário de uma obra que a crítica
leu nesse sentido: há quem diga ser Capitães da areia, a peça mais
panfletária do escritor baiano. Sabe-se que ao colocar no epicentro da trama um
grupo de crianças desvalidas e marginais entregues à toda ordem de
bandoleirismo da Salvador dos anos 1930 — período em que se desenvolve os
acontecimentos da narrativa — Jorge reforça seu interesse pessoal pelo comunismo
como modelo social adequado e rejeita o capitalismo, entendendo este como força
exploratória porque divisor da sociedade em classes.
Na comunidade desses capitães, até
existe um líder, incorporador da revolução, Pedro Bala, mas as divisões de
tarefas nos assaltos e noutras atividades no interior do grupo, são
apresentadas pela via do mais justo e adequado para a coletividade. O único
romantismo, entretanto, que sai das arraias dessa seriedade do comunitário, ou
da idealização de unidade grupal, é mesmo o amor adolescente de Bala pela sua
Dora. Tingido este, aliás, com belos pincéis de uma autêntica história de amor
entre adolescentes.
É um filme, que vale ser visto.
Antes, porém, ler o romance parece muito útil para melhor entender o
funcionamento do enredo da película.
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