A poesia de Wisława Szymborska está mais viva que nunca
Wisława Szymborska. Foto: Kino Koszyk |
Quando
Wisława Szymborska ganhou o Prêmio Nobel em 1996, demos conta de que não se
sabíamos nada de sua vida; tampouco de sua obra. Uma das vias, no Brasil, encontra-se
em fase de despertar. Há uma antologia de poemas da autora por aqui publicada. Mas, esse desconhecimento sobre a poeta não é algo exclusivo do nosso país; ela própria, aliás, terá contribuído para o seu não populismo. A Szymborska nunca lhe interessou aparições – eis uma das razões porque
seu nome e sua obra ainda são incógnitas em redutos como o nosso. Para se ter
uma dimensão disso, basta lembrar que até 1989, a poeta só havia concedido duas
entrevistas. Número que não terá ampliado desde quando ingressou num universo de celebridades que o lugar de todo escritor quando recebe o maior galardão da literatura. Szymborska não gosta das perguntas comuns dos jornalistas e sempre diz que tudo o que queria dizer estava em sua poesia; além dela, não havia nada mais
o que dizer.
Os temas centrais
de sua obra são os mais básicos, primitivos da vida: os aspectos que preocupam
o ser humano. Evita o pathos e está interessada em retratar as inquietudes propondo exemplos de pequenas ações cotidianas.
Trata-se de uma poesia que vê algo especial nos atos rotineiros que a gente comum
não está propícia a ver. Wislawa, disse certa vez um leitor seu da Holanda,
quando olha se comporta com um pintor holandês: observa os objetos e os ilumina
de distintas perspectivas.
Leitora
assídua de Montaigne, Marcel Proust, Konstantinos Kaváfis e Thomas Mann,
Szymborska é samo-swoja, que em
polonês significa única. Isto é, a leitura assídua dos que admira não significa
ao certo uma influência direta sobre sua poesia, visto que, a unicidade de sua
identidade se reflete também nos gostos e interesses da poeta. De modo que,
ainda que seja leitora devota desses autores que ela própria manifestou
sua admiração não chegou a seguir nenhum estilo deles. Em geral, esteve sempre
fixada pelos autores do período clássico; aprecia a razão, o sentido do
humor, embora saiba que, em determinadas situações da poesia, estes não lhe
servem, visto que ao poético sempre lhe pareceu a necessidade da emoção e dos
sentimentos.
Num século
em que seu país, a Polônia, esteve marcado por tragédias e conflitos, à poeta
sempre nos parece que esteve na direção contrária de muitos de seu tempo: não gosta
de escrever sobre a guerra. As poucas vezes que o faz aparecem em seu primeiro
livro de poesia, escrito em 1952. Mas, em sua
opinião, poetas como Herbert ou Róžewicz já haviam dito tudo sobre o que ela
sentia sobre o tema e não tinha nada mais que acrescentar.
Szymborska
vem de uma família privilegiada, mas sempre se sentiu atraída pela igualdade
social. Os escritores com os quais conviveu no início de sua carreira literária
logo seguiram pelas ideias do comunismo, enquanto ela nunca chegou a ser, de fato, uma
ativista. Esse caráter mais político, entretanto, não deixou de se fazer
matéria de sua poesia que manifesta ainda o amor pelos animais, pela natureza e
tem raro ou quase nenhum interesse em falar sobre a família.
Nunca foi alguém
propenso ao tema; nunca quis ter filhos e tampouco sentiu-se motivada a participar
dos rituais familiares, durante reuniões e festividades, que marcavam reuniões dessa natureza. Da mesma maneira também não cultiva interesse por grupos, nem sente-se parte de algum coletivo. Sequer viveu com o amor de sua vida, Kornel
Filipowicz; viam-se pela manhã e saíam para fazer o que precisavam fazer
juntos. Mesmo o amor incondicional que mantém pelos gatos nunca quis ter um e
sequer quis adotar o de Filipowicz quando morreu. Há um poema – “Gato num
apartamento vazio” – em que descreve seu comportamento ante a morte de seu
amado: “Vai aprender / que isso não se faz a um gato. / Para junto dele / como
quem não quer nada / devagarinho / sobre as patas muito ofendidas”. Szymborska é do grupo daqueles sempre teve
a necessidade de passar muito tempo consigo própria, mas nunca foi uma
misantropa.
Antes de
ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, já havia sido reconhecida com outros prêmios
prestigiados como o Cidade Cracóvia de Literatura em 1954, o Prêmio Goethe em
1991 ou o Prêmio Herder em 1995. Seus livros bem divulgados em seu país desde então
começaram a ganhar outras línguas – o búlgaro, o alemão, o sueco... De modo que, em 1996, se era para nós uma desconhecida, o mesmo não se podia dizer dela em seu país; o Nobel, entretanto, colocou abaixou algumas
leituras não muito coerentes da sua obra e, até então, nem os leitores lhe paravam pelas
ruas para lhe pedir fotografias. Seus amigos mais próximos criaram ironicamente
o termo “Tragédia de Estocolmo” para referir-se ao evento de entrega do prêmio
na Suécia.
Esteve tão agoniada com ligações, cartas e propostas que não escreveu
um só poema em dois anos. Isso nunca havia lhe acontecido: ficar sem escrever. Foi
quando contratou um secretário, Michał
Głowiński, um jovem estudante, que a ajuda a gerir as correspondências.
Os dois, dotados de um grande senso de humor, tentam converter esta “tragédia”
numa “comédia”, inventando um tipo de resposta às cartas que chegam em forma
de jogo. Por exemplo, às vezes respondem coisas do tipo: “Aceitarei a
proposta quando for mais jovem”.
Sua poesia
segue viva. É lida; e, no Brasil, a publicação de sua primeira antologia – o seu
repentino sucesso – prova que ainda há muitos outros lugares a se percorrer. Pelos
temas que trata – os da experiência humana – a poesia de Szymborska se mostra
universal. Trata-se uma literatura que entra pelas veias, está tomada de uma sorte
diversa de elementos, até discursos políticos. Sua poesia serve a diversas fases
e momentos da nossa vida; chega ao coração tanto como à mente e seus poemas sempre
caem como uma luva, ajustam perfeitamente às nossas necessidades e às necessidades
históricas de seu país e da humanidade.
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