Miacontear - O caçador de ausências
“O caçador de ausências” conto retoma o fio do fantástico instalado nas narrativas de “O homem cadente” ou “O peixe e o homem”. Como na história deste último texto, que o tom anedótico sustenta uma narrativa de pescador, neste novamente o tom é o mesmo: sustenta a armação do texto assemelhando-se a uma historieta das muitas contadas por caçadores.
O narrador tem com Vasco Além-Disso Vasco - nome que reitera possível significação na ordem dos grandes navegadores - uma enorme quantia em dinheiro a receber. A narrativa nasce da sua ida um dia à casa do mal-pagante a fim de receber os devidos. Descobre que Florinha, mulher de Vasco e com quem o narrador já se 'enrabichara' certa vez, fugiu de casa e, por esse motivo, está Vasco incomunicável, ausente de si, não quer contato com ninguém de tão mergulhado na tristeza.
O fato é suficiente para desencadear na personagem a inauguração de um trajeto mato adentro, à procura não se sabe de quê, se de uma tranquilidade para acalmar os nervos de vítima de um caloteiro ou se inconscientemente à caça de Florinha, outra feita procurada por esses matos em todos os lugares possíveis e nem sombra da sua existência.
É nesse itinerário-caça ausente de rumo que cai numa cilada. Alguém, no faro de que ele viesse nadando em dinheiro anuncia-lhe um assalto, livrado misteriosamente com o aparecimento de um leopardo que, no susto, faz o assaltante se embaralhar e, ao invés de disparar a arma no pé do viandante dispara contra si próprio; salvo, portanto, pelo leopardo “mais seu roargido”. “Salvava-se do balázio para se perder na escura selva.”
Esse itinerário da personagem muito se assemelha aos itinerários dos grandes viajantes que saem pelo mundo sem destino fixo e, pelo caminho, é tomado pelas mais impossíveis surpresas, mas, no fim das contas, adquire uma certa recompensa. Com essa personagem o vagar sem destino pela floresta, dormindo ao relento, “lençolando-se com o infinito da estrela” até perder as linhas que separam as quatro estações, as contas das manhãs, leva-o a desistir de tudo.
É nesse ponto que reencontra com o leopardo. Florinha era o leopardo. Esse desfecho vem trazer uma possível resposta para o jogo de metáforas instalado, como é da natureza da escrita miacoutiana de O fio das missangas, já no título do conto. O que de tanto valor procurava esse homem não seria o amor de Florinha, ausente, mas ainda tão marcado na sua vida?
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