Miacontear - A avó, a cidade e o semáforo
Por Pedro Fernandes
Dois temas aparecem na superfície de “A avó, a cidade e o semáforo”. Um é a relação tradição e modernidade - marcadamente pelos espaços e pelas personagens e expressos no conjunto de substantivos que intitulam o conto: avó, cidade, semáforo. E outro é novamente o tema da solidão na terceira idade, tema que sustenta a narrativa do conto anterior a este em O fio das missangas, “Enterro televisivo”.
Tudo acontece quando o neto de Ndzima, professor numa vila rural, é convocado a receber um prêmio do Ministério. O prêmio deverá ser entregue na cidade grande. E esse acontecimento será motivo suficiente para a avó encher o neto de perguntas, quanto ao lugar onde ele se hospedaria, a feitura da comida, quem lhe faria a cama de dormir... E não convencendo Ndzima sobre todos os trâmites na cidade grande, ela compra passagens e decide abalar junto com o neto numa viagem que, mudará o destino dos dois.
Conduzindo-nos com seu tom galhofeiro o narrador nos relata da viagem, da chegada e dos desentendimentos da avó arrumados com o hotel onde ficariam hospedados. Em todo momento está em jogo os valores de uma tradição em confronto com os laivos de uma modernidade; nesse ínterim estão ainda o choque entre culturas distintas - a do africano antigo e suas crenças e a do africano já empapado de conceitos e modos de vivência ocidentalizados.
Mas será o contato de Ndzima com a rua e os mendigos no semáforo que levará a distinta senhora tomar a decisão de não mais voltar à vila onde mora. Quando sabemos do resultado da escolha descobrimos que Ndzima padece do mesmo mal que Estrelua de “Enterro televisivo”. Acometida pela solidão e 'encantada' pela atenção que recebe dos moradores de rua ela preferirá a vida nômade.
O tema da solidão, no entanto, não está à parte dos impasses entre tradição e modernidade; o estar solitário de Ndzima é parte do processo resultante dessa invasão de um modelo que se quer novo e acima, subvertendo valores e tradições.
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