Cesário Verde

Cesário Verde por Columbano. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal


a mim o que me preocupa é o que me rodeia

O pensamento que epigrafa esta postagem vem ele marcado pelo laivo do pensamento realista. O escritor é aquele que examina o que lhe cerca - sobretudo o estágio social porque passa o espaço e o tempo em que se insere - e, como um cientista no seu laboratório, executa movimentos precisos de bisturi sobre determinadas questões. Assim, é que nos deparamos, por exemplo, com a ficção de alcova. Se o casamento, artefato de natureza burguesa, dava seus primeiros suspiros de decadência, muitos dos escritores da época - e citemos dois mais conhecidos do grande público, Machado de Assis, da nossa parte, e Eça de Queirós, da parte de Portugal - se deram ao verdadeiro trabalho de retratar essa decadência, bem como de rever outras questões sociais. Cesário Verde é dessa leva.

Nasceu em Lisboa, em 1855. Dois fatos influenciaram diretamente na sua carreira de escritor. Um, o tio João Baptista, um curioso da literatura. Outro, e esse parece ser o mais forte, aquele que lhe leva a elaboração temática de sua obra, seu trânsito no Martinho, no Parlamento e nas polêmicas dos jornais e, ainda, nas Conferências do Casino promovidas pelo então Grupo do Cenáculo - que marcam, em Portugal, o início do Realismo como forma de pensamento e de expressão. Tudo isso ainda pela adolescência de Cesário. 

Foi aluno voluntário do curso de Letras fundado por D. Pedro V no antigo Convento de Jesus. A estadia no curso só durou três meses e Cesário junto com Silva Pinto, jornalista militante republicano e adepto do ideário da Comuna de Paris e do movimento federal anti-carlista (eis aqui outra grande influência do escritor português) e os dois se entregam a boemia lisboeta.

Ainda no terreno das influências não será errado afirmar que Cesário Verde tenha - com todas as suas forças e como todo poeta de seu tempo - buscado na literatura de Charles Baudelaire os traços para a composição da sua. Num ensaio intitulado Cesário Verde: "um astro sem atmosfera"? - metáfora nietzschiana que Walter Benjamin reelabora quando o teórico se volta para a obra do poeta francês - Leyla Perrone-Moisés investiga bem essa afirmativa: "A relação da poesia de Cesário Verde com a de Baudelaire está indicada no próprio texto do poeta português, e tem sido pontualmente examinada pela crítica. Cesário estrou como um daqueles numerosos 'baudelairianos' que proliferaram em vários países nos últimos anos do século XIX. Seus poemas explicitamente baudelairianos são poemas menores, em que a lição do mestre é reduzida a mera pose ou a metáforas literalizadas".

Será somente a partir de 1877, que a própria Leyla Perrone-Moisés vê o "nascimento" do Cesário Verde escritor. Dado pelo poema "O sentimento de um ocidental" - que a estudiosa brasileira lê como um poema de forte inspiração baudelairiana "pelo tema do anoitecer na cidade grande, descrito por um citadino anônimo e deambulante", mas sua postura diante do tema será diversa da de Baudelaire. "O realismo de Cesário é um 'sentimento' do real que não tem a subjetividade do poeta como ponto de partida e de chegada. O poeta se entrega totalmente à realidade circundante , como um olho sensível ou uma antena ultra-receptora, e não como o 'eu' que nela se busca, se espelha, ou poe ela se exprime. Cesário deixa-se tomar pela cidade, e tudo o que ele 'evoca', 'imagina' ou 'sonha' lhe é dado pela realidade. Sua melancolia é um sentimento coletivo assumido como pessoal. O livro de Cesário Verde é sua obra de maior expressão. 

Nota: 
As partes do texto entre aspas são de Leyla Perrone-Moisés do ensaio "Cesário Verde: 'um astro sem atmosfera'?" do livro Inútil poesia e outros ensaios

Ligações a esta post
>>> A Biblioteca Nacional de Portugal inaugurou recentemente na web uma página dedicada a Cesário Verde com rica iconografia e materiais do e sobre o escritor, inclusive uma cópia fac-símile de O livro de Cesário de Verde. Para aceder a ideia, vá aqui.
>>> Leia "O sentimento de um ocidental", aqui.

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