Joyce para as telas

Por José Abrantes

Ulisses, de James Joyce, ganhou a primeira versão cinematográfica em 1967. Numa produção britânica de baixo orçamento, com fotografia em preto-e-branco e forte contraste, o norte-americano Joseph Strick fez a adaptação e dirigiu um elenco excepcional de atores irlandeses: Milo O'Shea (Leopold Bloom), Barbara Jefford (Molly Bloom), Maurice Roeves (Stephen Dedalus) e T. P. McKenna (Buck Mulligan). Ignorado pelo grande público e mal recebido pelos críticos, o filme é uma destilação do livro. Não inclui os despudores de Joyce, uma vez que a censura irlandesa (inglesa também) na época ainda era de ferro (na cópia original liberada, bips irritants obliteravam as "indecências" ditas por Molly no monólogo final), mas fascina ao reproduzir visualmente as alternâncias entre ação e monólogo interior, embora recorra muitas vezes à narração sobre imagens. Strick retomou Joyce com Um retrato do artista quando jovem, em 1977. Também produção britânica, com elenco de irlandeses e ingleses, entre eles o falecido John Gielgud e o mesmo T. P. McKenna do filme anterior. Foi de novo mal recebido, desta vez por uma narrativa linear demais.

Cena de Bloom (2003), última versão de Ulisses para as telas.

A mais recente adaptação de Ulisses para o cinema é Bloom, de 2003, razoavelmente acolhida pela crítica, mas não tanto pelo público nos poucos países em que foi exibido. Tendo o premiado ator irlandês Stephen Rea no papel-título, o irlandês Sean Walsh na direção e uma fotografia cartão-postal, o filme se empenha em mostrar, como promete a promoção, uma "história de amor, perda e sensualidade" e reproduzir ao mesmo tempo a complexidade de Joyce. Wash se concentra no humor e almeja a comunicação fácil, na esperança de exorcizar as dificuldades. Como Strick, usa narrativa sobre imagens e exclui despudores (embora vivamos em dias mais liberais). Curiosamente, desloca o monólogo de Molly para o início.

Os mortos foi o último filme dirigido por John Huston em 1987, em co-produção Estados Unidos-Grã Bretanha. Com roteiro do filho, Tony Huston, a filha Angelica Huston no papel central de Gretta Conroy, Huston criou uma obra primorosa, cinematográfica e ao mesmo tempo fiel ao conto de Joyce. Huston examina sutilmente os personagens que se reúnem para um jantar e revela pouco a pouco todas as emoções geradas por um amor reprimido que prende os personagens no passado. A imagem da neve que cai sobre os mortos é tão poderosa como a da transmitida em palavras por Joyce. Raras vezes um filme tratou a transitoriedade da vida humana com tal delicadeza.

Vale mencionar o film Cult da americana Mary Elln Bute, Passages from Finnegans Wake, de 1965, baseado em peça de Mary Manning. A trilha sonora vale por si mesma.

* Publicado inicialmente como "James Joyce: um retrato do artista quando gênio", na revista Entrelivros. ano 1. n. 2. maio de 2005, p.37.

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