Quando todos querem saber do biografado
Por Pedro Fernandes
É verdade que há determinadas personagens da história que têm motivo de sobra aos que as biografam e aos que se interessam por saber de suas vidas. Diria que Hitler é o exemplo clássico. Também Jesus. Elvis Presley. E o que têm elas em comum? O pensamento e o modus vivendi polêmicos talvez seja uma amálgama que faça com que os sentidos dos leitores estejam aguçados em saber cada vez mais detalhes e particularidades dessas personagens.
Já outras figuras nem tanto. Terão levado uma vida simples demais, dirão, para encontrar alguma coisa que valha no extenso jogo de interesses dos leitores. Uma personagem desse rol dos nem tanto mas que tem rendido bons trocados ao seu pesquisador-biógrafo tem sido Clarice Lispector. Não que ela tenha sido personagem desinteressante; mas, certamente, o leitor saberá que a escritora não está no rol das personagens com uma vida marcada pelo inusitado: que veio para o Brasil ainda novinha no colo dos pais fugindo da guerra? Que morou no Nordeste antes de ir para o Rio de Janeiro e daí provavelmente encontrou material para escrever A hora da estrela? Ou que escreveu seu primeiro livro graças ao incentivo de amigos?
Mas, aí está: mais uma biografia de Clarice Lispector. E merece, claro, por ser um de nossos melhores nomes da literatura contemporânea toda nossa atenção. O livro foi publicado por aqui recentemente com sugestivo título: Clarice, (lê-se Clarice vírgula) e foi escrito por um jovem que se diz encantado com a escrita da brasileira; possivelmente: Benjamin Moser aprendeu português para isso, além rodar o mundo inteiro na busca por arquivos iluminadores na escrita.
Terá rendido bem? Financeiramente sim. Pois como disse, o livro tem sido um fenômeno: vai para a 3.ª edição e pouco mais de 30 mil exemplares vendidos e com publicações asseguradas para também nos EEUU, Inglaterra e Portugal, além de França e Alemanha. A vantagem, logo se vê, será a de contribuir na projetação do nome da escritora e de nossa literatura nesse mundo internacional. Mas, ficamos aqui. Nada do que se diz em Clarice, é novo aos leitores, uma vez contarmos com dois trabalhos de fôlego, melhor consistência crítica e teórica sobre a vida da autora de Água viva.
O primeiro deles chama-se Clarice Lispector. Uma vida que se conta. Foi publicada a 1.ª edição em 1995; escrita por Nádia Battella Gotlib, a biografia esclarece muitas interrogações sobre a vida da biografada a partir de uma visão integral e ao mesmo tempo de determinadas particularidades da obra e da criação literária claricianas. Este material já foi inclusive revisto e ampliado e é, além de original, o mais completo. Teresa Cristina Montero Ferreira é autora de Eu sou uma pergunta; um trabalho de 1999 e há muito fora de catálogo, mas certamente presente na biblioteca de Benjamin Moser.
Bom, com tanto material assim, parece fácil escrever uma biografia, bastando apenas um pouco de imaginação e interesse apaixonado pela obra ou mesmo a sensibilidade de águia para descobrir no vasto mundo o filão que o levará à glória - financeira, reitere-se.
Já agora, a novidade em torno do sucesso é que a Cosac Naify, responsável pela edição de Clarice, entre nós apresenta uma versão ipsis literis da edição maior em formato mais acessível (nos termos de valor econômico): um livro de bolso.
E ante essa efervescência em torno do nome, vê-se que Clarice é sim assunto dos bons nas rodas de conversa. Os textos acadêmicos - estes tão desprezados e que só tem maior aceitabilidade para aqueles que realmente se embrenham numa pesquisa acadêmica - também alcançam certo reconhecimento. Clarice expande-se. É uma potência para os bolsos; sua obra têm sido revisitada no Brasil e fora dele por eventos diversos. E parece ter vida longa ainda pela frente. Resta perguntar: qual será o próximo biógrafo?
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