O artista, de Michel Hazanavicius


Por Pedro Fernandes



O filme chegou num ano que se configura como o de homenagens ao cinema. A constatação se dá pela presença de outro título, este de Martin Scorsese, A invenção de Hugo Cabret. A consolidação de um novo filão para a indústria cinematográfica – o do metacinema – ou interesses comuns em torno de uma data festiva, os cem anos de Hollywood? A segunda opção é mais viável já que a primeira mantém sua presença desde o nascimento do cinema e não constitui necessariamente numa nova modinha dos cineastas, mas uma estratégia textual comum às produções contemporâneas.

E por falar no cinema atual, O artista é uma das melhores criações desse novo tempo. Recria, desde a forma, a linguagem, o texto, uma parte da muito rica história do cinema estadunidense, desde as primeiras produções de Hollywood, e testemunha, despido de qualquer tom documentarista, o que foi, talvez, a maior revolução da criação dos irmãos Lumière, a transição entre o cinema mudo e o cinema falado.

A razão de não servir ao texto histórico está na narrativa que o sustenta. E esta é uma clássica narrativa de amor vivida entre o vaidoso (e veterano) nome do cinema mudo George Valentin e chegada na sua vida, ao acaso, do que poderíamos denominar como um sutil furacão, da atriz Peppy Miller, apoiada por ele e depois de se tornar uma figura famosa em Hollywood quem passará a ser-lhe uma espécie de rival da qual não consegue se libertar.

Duas personagens como metáfora sobre a relação de dois tempos do cinema e, logo, dotadas de uma série de significações sobretudo as que se relacionam com a relação entre tradição e modernidade, e sobre a aceitação das limitações criativas e a convivência com a variabilidade das formas, a principal estratégia adotada pela indústria cinematográfica advinda do aperfeiçoamento de outros modelos tecnológicos logo aceites pela grande maioria do público. 

Logo, essa primeira corrida tecnológica é base para se pensar não apenas como tudo começou mas por quantas transformações o cinema terá passado desde sua criação ou ainda na sua transformação como artefato interessado em preencher certos anseios inconscientes dos espectadores e a criação de outras formas de se relacionar com o produto cinematográfico. 

Não deixa de existir ainda a muito coerente crítica sobre a desvalorização do cinema enquanto obra de arte pelo levante da ideia de entretenimento, ou, uma crítica ao modelo de produção capitalista sempre interessado em sufragar a criatividade pela necessidade de seriação.


Além da narrativa, estrategicamente construída, é necessário citar ainda outra série de elementos responsáveis pela beleza do filme: o desempenho dos atores – afinal, um filme quase-mudo não se sustenta sem sua expressividade; e a trilha sonora que em grande parte tece um diálogo tão em sintonia com o movimento das cenas que chega a servir de voz para o espectador. 

Ao dizer isso, concordamos que a grandiosidade de O artista não reside na história contada – toda história de amor é sempre a mesma história – e sim na cooperação entre as peças necessárias a uma obra dessa natureza. Colocadas no seu devido lugar (sem sobras ou faltas), findamos por dizer que a verdadeira arte do cinema é ainda a de ser capaz de nos servir, simultaneamente, de maneira diversa sem nunca esquecer que sua função é de contar boas histórias.

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