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Mostrando postagens de março, 2011

Retrato de um desconhecido, de Nathalie Sarraute

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Por Javier Aparicio Maydeu Nathalie Sarraute, 1983. Foto: Thierry Martinot. Do tédio considerado como uma das belas artes. Do tédio como diversão (ou da quadratura do círculo). De intriga considerada um incômodo. Do narrador onisciente considerado como uma falácia e do personagem considerado um estorvo para a escrita desenfreada, para a única ficção verdadeira segundo os pressupostos neovanguardistas do nouveau roman forjado por Alain Robbe-Grillet contra a tradição narrativa, cujo surgimento aconteceu em 1955, com a publicação do romance de referência, A espreita , e mais tarde, em 1961, com a primeira edição de Por um novo romance , seu polêmico manifesto.   Sem enredo, morto o herói, sem configuração de personagens, nem psicologia, nem narrador onisciente, nem referências históricas ou sociais, nem sentido figurativo ― nem metáforas, nem símbolos, nem alegorias ― nem nada que não possa ser apreendido pelos sentidos, o nouveau roman ― ou o romance objetivista ou l'école du rég

Afonso Cruz

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  “Para uns, a raiz é a parte invisível que permite à árvore crescer. Para mim, a raiz é a parte invisível que a impede de voar como os pássaros. Na verdade, uma árvore é um pássaro falhado.” ― De Os livros que devoraram o meu pai , Afonso Cruz Afonso Cruz. Foto: Sara Matos   Não faz muito tempo que a obra de Afonso Cruz começou um caminho de vigorosa ascensão, mas já faz o tempo suficiente para que os leitores deste lado do Atlântico começassem a reivindicar a presença de sua obra entre nós. O escritor nascido em Figueira da Foz em 1971 escreveu até agora cinco livros dotados de uma rica linguagem poética e imaginativa, como é possível sorver nos excertos que iluminam a abertura dessas notas. Com alguns deles, acumula alguns importantes prêmios e boa recepção pela crítica literária no seu país.   De maneira que, com esses traços é possível filiar o autor a uma linha criativa da literatura portuguesa marcadamente surrealista e circunscrita no diálogo à volta de um universo cuja dimensã

Miacontear - O homem cadente

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Por Pedro Fernandes Ilustração: Nikolaus Heidelbach Eis o segundo conto de O fio das missangas : “O homem cadente” Misto de sonho kafkiano, o conto dá contas de um fato insólito: Zuzé Neto, amigo do narrador, cisma, e de um hora para outra, já no início da narrativa, “está caindo”.  Vale dizer que a linguagem aqui é seu ponto de inflexão maior. Ao usar o caindo  como expressão de um fato e para uma forma verbal - cair - que,  pelo sentido que carrega, supostamente não lhe permite um gerúndio, o narrador acaba por ressaltar o poder demiúrgico da palavra. “Aquele gerúndio era um desmando nas graves leis da gravidade: quem cai já caiu” (p.15).  Com este conto Mia Couto demonstra que a palavra que rege (e mesmo é forma enformante) o mundo e o constitui também é capaz de colocar em xeque as próprias leis fechadas dos sistemas, a começar pelo da própria linguagem. E Zuzé Neto flutua no ar, “como água real”, caindo para cima ,   em artes de aero-anjo. O fato é suficiente para ins

Onze obras do teatro moderno e contemporâneo fundamentais a todo leitor

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Samuel Beckett: Renovar o teatro pelo absurdo. O teatro é uma das artes mais antigas da história da humanidade. Sua prática recorre a um tempo imemorial, identificado com as práticas religiosas e mágicas das primeiras sociedades; nasce envolto à música e ao canto e está, assim, num tempo anterior ao da arte literária. Massaud Moisés em A criação literária sublinha que os documentos mais antigos ancoram o nascimento dessa expressão em solo grego, aproximadamente no século VI a. C. Nesta postagem, listamos algumas das peças fundamentais à biblioteca de todo leitor interessado ou não a essa manifestação artístico-literária. É uma lista que desmembrada de outra, que copiou obras essenciais dessa forma em prosa na antiguidade grega e europeia. Os títulos dessa lista são de autores contemporâneos – grande parte dedicada à renovação e, logo, atualização da forma em seu tempo. Não se trata como costumamos lembrar de uma lista completa, única e definitiva; são indicações. Também

Os fragmentos de uma geometria a Leontino Filho

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Por Pedro Fernandes Quantas faces comporta um poeta? Drummond em seu “Poema de sete faces” deixou, entrever, pelo signo que nomeia o próprio poema, que seriam sete. Fernando Pessoa, entretanto, rompe as contas e se fez “em mais pedaços do que havia loiça no vaso”. Dessa pergunta, instituo outra. Em que consiste a arte poética? Jorge Luis Borges em “Arte poética” “enumera” alguns dos fazeres. Murilo Mendes põe todas as enumerações possíveis em três versos: “Os diversos personagens que encerrei/ Deslocam-se uns dos outros, fundam uma comunidade/ Que eu presido ora triste ora alegre.” E Mia Couto, numa de suas avalanches poéticas, completa: “e eu invento o que escrevo/ escrevendo para me inventar”. Se fôssemos buscar uma face que definisse Leontino Filho, diríamos, que todas as faces possíveis começa e finda somente numa: a de ser poeta. E isso não o faz, em momento algum, inferior à ordem dos que se multiplicaram para ser-se. Sua unidade o faz tão plural quanto. E me refiro

Lygia Fagundes Telles na tela

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Aproveitando o aniversário de 88 anos de Lygia Fagundes Telles e a programação especial elaborada por ocasião da data pela Cinemateca Brasileira (Largo Senador Raul Cardoso, 207 – Vila Mariana. São Paulo/SP) fica a seguir a dica (para nós que estamos tão longe de Sampa) de filmes baseados ou inspirados na obra da escritora. Alguns nunca entraram em cartaz, mas podem ser adquiridos (não sem muita birra certamente) junto à Cinemateca. Cena de Capitu , filme baseado no romance de Lygia Fagundes Telles. Em destaque Othon Bastos no papel de Bento.  Jogo da memória (1992) - curta inspirado no romance Verão no aquário , produzido sob direção de Denise Vieira Pinto. Trata-se de um filme cujo enredo é um jogo onde se misturam o passado e o presente: à medida que Tio Samuel toca nas fotos, elas tornam-se realidade para Raíza. Contos de Lygia e Morte (1999) - longa em episódios sob direção de Luciana Solim; é uma adaptação de três contos da escritora, interligados pelo tema da mo

Miacontear - As três irmãs

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Por Pedro Fernandes Tela de Abias Ukuma, pintor Angolano O primeiro conto de  O fio das missangas  intitula-se “As três irmãs”. O enredo dá conta de quatro personagens: Gilda, Flornela e Evelina, filhas de Rosaldo, viúvo que leva o protecionismo paterno  ao extremo: cria as meninas num completo estado de isolamento. São-lhes as filhas “exclusivas e definitivas”. O ponto de vista do narrador contempla as três irmãs com o olhar de quem contempla um quadro; estratégia elaborada pelo autor para passar à superfície da narrativa a monotonia com que se movimentam esses perfis femininos no seu espaço cotidiano, ou o silêncio e o estágio de submissão a que estão submetidos. Esse olhar também consegue traduzir o movimento do tempo e a própria existência das personagens, já que dilata a ideia do cronológico  para  o psicológico. Trata-se de um olhar que divaga pelas margens do quadro, mas o intuito é extrair com palavras o silêncio da composição. Cada uma das três irmãs são criadas pa

Cruviana

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É este o nome-vento que desponta pela web vindo de um grande idealizador, o jornalista Jotta Paiva. Cruviana . Uma revista de contos. E que pretende, como muitas boas ideias que surgem de solos idealizados, render bons e saudáveis frutos. No editoral lê-se a explicação para o título da revista. Vem ele de uma expressão típica do vocabulário nordestino que "quer dizer 'frio intenso'. Não se trata de um frio comum, mas de uma sensação de frio que chega de madrugada, provocando calafrios como se fossem provocados por uma ação mística e metafísica." Nada mais sensato então para o nome de uma revista que deverá se dedicar a um gênero literário breve como o conto, que num só movimento é-nos capaz de deixar tomados de um conjunto de sensações diversas toda vez que estamos diante de um objeto desses digno de um signo artístico-literário. A revista que tem previsão de lançamento para o mês de junho próximo, terá tiragem eletrônica e semestral e vem pelo Selo Sarau

de revoluções

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Vitaly Komar e Alexander Melamid. não sonho com grandes revoluções  sonho com pequenos homens bomba  num estouro são capazes  de virar o mundo.

A 18, encontro com José Saramago (IX)

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Arte: Júlio Pomar. Inciativa posta na rede desde o dia 18 de julho de 2010; todo 18 de cada mês durante nove meses leitores saramaguianos do mundo inteiro reuniram-se para ler um fragmento de sua obra e brindá-lo com uma taça de vinho. A iniciativa deu-se a partir do romance O ano da morte de Ricardo Reis , em que segundo Fernando Pessoa, personagem desse romance, o homem levaria outros noves meses como aqueles para vir ao mundo para partir desse mundo dos vivos.  Este blog seguiu a iniciativa e hoje, último mês, recorto o fragmento do romance que deu impulso à ideia. *** Olham-se ambos com simpatia, vê-se que estão contentes por se terem reencontrado depois da longa ausência, e é Fernando Pessoa quem primeiro fala, Soube que me foi visitar, eu não estava, mas disseram-me quando cheguei, e Ricardo Reis respondeu a ssim, Pensei que estivesse, pensei que nunca de lá saísse, Por enquanto saio, ainda tenho uns oito meses para circular à vontade, explicou Fernando Pessoa, Oi

O fio das missangas, de Mia Couto

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Por Pedro Fernandes O fio das missangas , de Mia Couto, chega ao Brasil através da Companhia das Letras em 2009 (imagem), mas saiu em Portugal, onde a obra do escritor moçambicano tem sido publicada, cinco anos antes pela editorial Caminho. Este é o seu sexto título utilizando-se da forma narrativa conto. Sucede a altura, pelas primeiras leituras críticas, outras obras do gênero, como Vozes anoitecidas , até o presente o mais premiado dos livros já apresentados.  O livro é composto de um feixe (ou seria um fio?) de 29 histórias (ou seriam 29 missangas?). A dúvida se o livro é um fio e os contos as missangas é instaurada desde o título a epígrafe do livro - A missanga, todos a veem. Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as missangas. Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo . E se confirma quando somos colocados diante a delicatesse das narrativas. Estão elas, assim reunidas, mais para a composição do perfil das missangas. São história

Dickens em cena

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Por Mario Vargas Llosa As filas começaram a se formar na noite anterior ante as bilheterias do Steinway Hall, um dos maiores teatros de Nova York, e, no dia seguinte, às nove da manhã, ao iniciar-se as vendas das entradas, havia mais de cinco mil pessoas que dava voltas nas ruas de Manhattan. Muita gente havia levado colchões e cobertores para resistir ao frio da longa espera, no coração do inverno nova-iorquino. Era 28 de dezembro de 1867 e nessa noite Charles Dickens se apresentava pela primeira vez num cenário da metrópole de arranha-céus lendo episódios de seus romances mais famosos. As entradas mais caras custavam dois dólares. Os lugares rapidamente se esgotaram, e, certamente, no fim do dia, revendedores repassavam ingressos a 26 e 28 dólares. Os 2.500 espectadores que naquela noite lotaram o Steinway Hall e puderam escutar Dickens referindo ao vivo as situações de David Copperfield e de seu famoso Conto de Natal no fim encheram a sala de aplausos, como ha

Correspondência na Barca: cartas trocadas entre Monteiro Lobato e Lima Barreto

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Por Antonella Flavia Catinari Lima, Está escrito no livro do destino que não nos veremos nunca. (...) Espero, porém, que os fados afrouxarão suas leis férreas, e um belo dia, quando menos esperarmos, – Lima! – Lobato! e ferraremos esse abraço encruado. Lobato. (Bilhete enviado por Monteiro Lobato a Lima Barreto, em outubro de 1920, por ocasião da visita de Lobato ao Rio de Janeiro e recolhido por Edgard Cavalheiro em  A correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto , publicada pelo Ministério da Educação e Cultura, em 1955) Analisar a obra e a vida de Monteiro Lobato é um prazer e um desafio constantes, por trazer em cada nova mirada um ângulo ainda não revelado. Ao me debruçar na janela que permite vislumbrar sua trajetória, é sempre uma nova paisagem que se configura ante meus olhos. Como afirma Regina Zilberman em O correspondente fiel e a pesquisadora incansável , “Lobato sempre será capaz de apresentar uma faceta original ao indivíduo curioso e