Entrevista com Ariano Suassuna
Ariano Suassuna. Foto: Júnior Santos. Fonte: Tribuna do Norte |
O caderno Viver do jornal Tribuna do Norte aproveitou a estadia do escritor Ariano Suassuna no Rio Grande do Norte - o escritor veio para ministrar uma palestra na Semana Pedagógica em Canguaretama - e fez-lhe uma entrevista. À repórter Maria Betânia Monteiro, Ariano falou da infância, da paixão pelos livros, da internet como ferramenta de leitura e da cultura de massa. Parece que vejo o tom do escritor ao contar o fato que se segue:
Não admito a massificação. Ela nivela pelo meio, o que é a pior coisa que pode acontecer. Pegam por exemplo, uma figura como Michael Jackson ou Madonna e apresentam como modelo de arte, ao mundo. Dei uma aula em Recife e estava presente um professor francês, ao final ele veio me dizer: “gostei muito de sua aula, mas tem uma coisa que eu discordo. O senhor falou de Michael Jackson e eu acho ele um grande bailarino”. Eu disse: “olhe, grande bailarino é Nureyev, aquilo ali é um débil mental. Outra coisa, o senhor disse que gostou de Michael e da minha aula, escolha, ou eu ou ele, não quero não este elogio.”
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Senhor ou
você?
Você.
O que atualmente lhe dá gosto de fazer?
Leitura. Passei a ler logo que me alfabetizei. Um jornalista uma vez me
perguntou se eu tinha o hábito de ler, eu disse que hábito, não. Eu tinha
paixão pela leitura. Você imagine, um menino criado no sertão da Paraíba com
uma biblioteca em casa, montada por meu pai. Ele era um grande leitor. Eu
gostava muito de ler romances de aventura e alguns policiais, dentre estes,
destaco o livro Scaramouche, de Rafael Sabatini. Um autor que quase ninguém faz
referência. Este foi um livro fundamental para mim.
Ele foi lido quando?
Lido quando eu tinha de 14 para 15 anos. Ainda hoje eu tenho. Leio e releio.
Sou um grande releitor. Talvez eu goste mais de reler do que de ler. Os livros
que me apaixonam eu leio e releio. Passei a vida toda relendo Dom Quixote, de
Miguel de Cervantes. A última vez não faz nem três meses. Hoje a gente sofre
com a interferência da tecnologia. Está tudo automatizado. As pessoas acham que
é uma espécie de reacionarismo meu, e é. Eu não sei para os outros, mas eu acho
um absurdo que a juventude esteja deixando de ler, por causa da tal da
internet. Inclusive, eu só gosto de ler deitado. E eu não vou me embolar com um
computador, num quarto.
Em que outros aspectos a leitura pela internet é negativa?
Ela pode ser uma coisa muito boa, o que ela não pode é substituir o livro. O
jovem não pode deixar de se dedicar aos livros, por causa da facilidade que tem
com a internet.
Mas antes da internet, já havia uma defasagem na leitura?
É. A defasagem já existia por causa da televisão. Eu não falo sobre essas
coisas com preocupação não, mas não quero substituir o livro. Aliás, isso não
vai acontecer. Já ouvi muitas profecias neste sentido. Quando comecei a
escrever para o teatro, as pessoas diziam que não valia a pena, pois em breve o
teatro seria substituído pela televisão e pelo cinema. O cinema é uma coisa
maravilhosa. A televisão é uma coisa que pode ser maravilhosa.
Este é o assunto debatido com os professores de Canguaretama?
Vim a convite dos professores, por intermédio da Secretaria de Cultura do
município de Canguaretama. Eu acho isso muito simpático. Já fui Secretário de
Cultura do Estado de Pernambuco por duas vezes. Lá eu criei um projeto de
interiorização da cultura. Eu sou um menino do interior, criado no sertão da
Paraíba e me lembro dos dois encantamentos que eu tinha. Um era a leitura e
outro o circo. Bastava alguém dizer, “o circo chegou”, que eu ficava mais
feliz. Por isso criei uma companhia itinerante – espécie de circo –, contratei
músicos, cantores e bailarinos e o palhaço sou eu. Não abro mão disso! Este é o
Circo da Onça Malhada, onde a onça malhada é o povo brasileiro. Primeiro porque
eu acho a onça o animal mais bonito, depois porque ela é amarela ou parda e com
malhas, que é o símbolo da raça brasileira, o da diversidade. Criei o circo em
Pernambuco e já viajei pelas quatro regiões do estado. Eu brinco sempre, que
tenho a aula plena (com todo o circo), a aula reduzida (com dois músicos e um
bailarino) e a reduzidíssima, só comigo. Eu estou aqui na qualidade de
Secretário de Cultura do Estado de Pernambuco e de escritor. Eu trago
projeções: “olha aí a tecnologia a serviço da educação”. Dou aula desde os 17
anos. Me aposentei oficialmente aos 70 anos e estou aqui com 83.
E a idade? Como ela veio chegando?
Vou lhe falar: eu não acredito que tenho 83 anos. O corpo físico decai um
pouco, a resistência também, mas olhe, me sinto disposto.
Mas ainda se apaixona muito?
Paixão não me falta, eu tenho até demais. Eu sou acusado de ser imparcial, de
ser um apaixonado. E eu sou mesmo. Não acredito em imparcialidade. Outro dia
vieram me perguntar o que eu achava do teatro de Nelson Rodrigues, eu disse,
minha filha, olhe, não me faça uma pergunta dessa não. É inconveniente. Se você
fosse perguntar a Nelson, se ele gostava do meu teatro, ele ia dizer que não,
que detestava. Assim como eu detesto o dele. Ele fala sobre os problemas da
classe média do Rio de Janeiro, isso não me interessa. Eu imagino a raiva que
Nelson Rodrigues tinha, vendo um cangaceiro sendo enganado por uma flautinha,
como no Auto da Compadecida. Pois eu sou acusado disso, de ser imparcial,
apaixonado e radical.
Radical principalmente em relação a quê?
A cultura de massa. Não admito a massificação. Ela nivela pelo meio, o que é a
pior coisa que pode acontecer. Pegam por exemplo, uma figura como Michael
Jackson ou Madonna e apresentam como modelo de arte, ao mundo. Dei uma aula em
Recife e estava presente um professor francês, ao final ele veio me dizer:
“gostei muito de sua aula, mas tem uma coisa que eu discordo. O senhor falou de
Michael Jackson e eu acho ele um grande bailarino”. Eu disse: “olhe, grande
bailarino é Nureyev, aquilo ali é um débil mental. Outra coisa, o senhor disse
que gostou de Michael e da minha aula, escolha, ou eu ou ele, não quero não
este elogio.”
Mas eu posso gostar do seu teatro, mesmo gostando do de Nelson Rodrigues, não
é?
Isso aí não tem problema não. Nelson não pertence à cultura de massa, justiça
seja feita.
Se tivesse que se despedir do Nordeste, que imagens gostaria de levar com você?
Eu gostaria de levar como lembrança do Rio Grande do Norte, o sertão do Seridó,
Acari e Carnaúba dos Dantas. Do Ceará, eu gostaria de levar Icó e aquela região
do Araripe. Da Paraíba eu gostaria de levar a Fazenda Acauã e a Pedra do Ingá.
De Pernambuco eu gostaria de levar o Vale do Catimbau, a Pedra do Reino e a
cidade de Igarassu. Considero o Nordeste, o coração do Brasil. Considero o
coração do Nordeste três estados: Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.
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