Kafka ilustrado
capa da edição de Oportunidade para um pequeno desespero |
Um novo Kafka? Desde quando se anunciou, em julho de 2010 uma caixa com manuscritos do autor theco que fãs, estudiosos e/ou curiosos da literatura voltaram sua atenção para Franz Kafka. O legado kafkiano foi entregue pelo escritor ao seu melhor amigo, Max Brod, com o pedido de que, assim que morresse, tudo fosse queimado. Brod, no entanto, não cumpriu o desejo do escritor e o resto da história todos sabemos onde está.
E desde dezembro de 2010, a Martins Fontes colocou no mercado Oportunidade para um pequeno desespero. Esse título, Nikolaus Heidelbach, organizador da edição, retirou das páginas de O castelo quando K. encontra-se sozinho na rua com os pés afundados na neve, entre um castelo e uma aldeia desconhecidos, e pensa: “Oportunidade para um pequeno desespero”.
As histórias que dão forma ao livro foram recolhidas entre os diários e textos do escritor. E não revelam um novo Kafka, mas o mesmo Kafka de A metamorfose e de O processo. Em “Cinco Amigos”, por exemplo está lá a falta de sentido das relações humanas: “... e qual é o sentido, afinal, dessa contínua comunhão, também entre nós cinco não há sentido, mas agora já estamos juntos e vamos permanecer assim”. Em “A Ponte”, um homem se descobre ponte e aguarda algum passante e o seu próprio fim. Da construção da muralha da China transporta o mecanismo burocrático para uma terra distante e, dessa forma, evidencia sua desumanidade.
Ao todo são vinte e seis textos no formato de parábolas que compõem esta edição. Como se o texto verbal de Kafka não se bastasse a si próprio, Nikolaus Heidelbach ilustrou os escritos, captando num conjunto de telas a aparente normalidade da existência sucumbida pelo desespero da sobrevivência. Críticos em geral concordam que o ilustrador alemão conseguiu extrair de Kafka uma face não tão explorada: o humor já apontado pelo escritor Philp Roth.
O estilo de Heidelbach se liga aos textos aqui como se ambos pertencessem a uma só ordem - imagem e textualidade verbal. Já na capa vê-se um certo Kafka muito bem vestido e bem aparentado até o instante em que olhamos para a sua monstruosa mão esquerda - “Envio em anexo uma fotografia minha, Devia ter um cinco anos, Na época, o rosto bravo foi um gracejo, Hoje o considero sinal de austeridade oculta”, escreve Kafka numa correspondência e essa ilustração da capa é composta daí e de uma foto conhecida de Kafka, mas, no lugar do escritor quando menino é ocupado por um ser de traços símios.
Noutras ilustrações que compõem a obra temos a materialização do sombrio, do enjaulamento dos sujeitos e da avalanche onírica que conduzem a formação do edifício textual de Franz Kafka. Pela riqueza do trabalho, vale a pena nem que seja folhear essa coletânea de Kafka por Heidelbach.
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