A Doce Vida, de Federico Fellini
Na década de 1950, Federico Fellini começou a se afastar de seu passado neo-realista - participou como roteirista de Roma, Cidade Aberta (1945), e Paisà (1954), de Roberto Rossellini - com suas primeiras obras-primas, A Estrada da Vida (1954) e Noites da Cabíria (1957). Recebeu, pela ousadia, ataques duros da esquerda e de outros setores que esperavam encontrar em sua obra elementos do antigo movimento. E acabou tornando-se persona non grata tanto entre os revolucionários quanto entre os moralistas e a Igreja Católica com A Doce Vida.
Ele pode até ter feito filmes melhores, mais nostálgicos, mais emocionantes e mais engraçados. Porém, nada o define com mais precisão do que este cáustico panorama da sociedade romana e do mundo da fama. O longa foi lançado no mesmo ano de A Aventura, de Michelangelo Antonioni, e explora universos parecidos: o vazio da sociedade burguesa e a maneira hedonista pela qual tentam extravasar suas frustrações. Só que, enquanto Antonioni aborda o tema de maneira melancólica, angustiada, Fellini recorre ao picaresco, ao grotesco, ao cinismo. O enredo acompanha alguns dias na vida de Marcello Rubini (Marcello Mastroiani, alter-ego do diretor), jornalista boa-vida que circula entre os glamourosos, milionários e estrelas da alta sociedade. Não chega a haver uma história conduzindo o roteiro; em uma série de episódios interligados pelo tema do desperdício e do patético da vida, observamos o personagem conhecer uma atriz linda e fogosa (Anite Ekberg, famosa pela cena do banho na fonte), frequentar festas e becos obscuros, participar de orgias e porres homéricos e trair a namorada ciumenta.
Rubini participa ativamente de todas essas atividades, mas nunca deixa de manifestar consciência sobre a futilidade delas. Fellini não faz concessões: a indústria das celebridades é exorcizada na perseguição de estrelas (o termo paparazzi surgiu do nome do personagem Paparazzo); a falta de alternativas para o vazio dos intelectuais é latente no suicídio de um filósofo; a beleza de Roma é desmistificada pelos becos imundos.
Desorientado e desiludido, a única opção para Marcello é desistir de encontrar um sentido e se entregar à doce vida.
* Revista Bravo!, 2007, p.64.
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