As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift

Por Pedro Fernandes

Cena que ilustra uma das passagens mais célebres do romance de Swift, a personagem principal, Gulliver, é amarrada pelos liliputianos.


Desprezando o desastre que Hollywood fez com o texto do Swift muito recentemente, num filme que eu classificaria imoral e grosseiro, esta postagem recobra pequenas notas que eu fiz em 2008 para  leitura de As viagens de Gulliver. O romance data de 1726, quando o seu autor, já aos 59 anos, era um nome veterano entre as letras inglesas, desde que se projetou, nos meios jornalísticos e literários de Londres e de quando ainda como panfletista satírico tomando o partido do Absolutismo na sua viva luta contra a burguesia.

A obra que se desenvolve em quatro partes é uma sátira contra os vícios humanos e uma reflexão acerca da miséria da condição humana (cf. assinala Cilaine Alves Cunha). Na primeira, o protagonista e narrador do texto relata do seu naufrágio em Lillipute (cidade imaginária, plano onde transcorrem todas as outras viagens também). Nesse território, os habitantes possuem menos de seis polegadas (15 cm). Na segunda parte, Gulliver – assim é como o herói-protagonista é chamado – aporta em Brobdingnag, habitada, ao contrário, por gigantes. Em seguida, Gulliver viaja para Laputa, habitada por cientistas e intelectuais cujos experimentos levam o povo à ruína e à miséria. E, por fim, na última parte, o herói chega ao país de Houyhnhnms, governado por cavalos dotados de alma racional e virtude inatacável, ao contrário da desprezível raça dos Yahoos, clara metáfora da humanidade.

No todo, esta obra se configura num protótipo de alegórico cujo interesse fundamental é não somente dizer uma coisa para significar outra, mas colocar o homem desmascarado diante de sua própria comunidade; é um texto de fluxo irônico, demolidor dos falsos valores; uma sátira, e um projeto de construção da ridicularização de certas formas narrativas em moda na época e que preenchiam o vazio da vida e o gosto do burguês.

Em carta ao escritor Alexander Pope, ainda no início da confecção d’As Viagens, Swift afirma não pretender divertir o público, mas agredi-lo; os dados que acumulava eram para desmascarar o falso conceito do homem como animal capaz de racionalidade, acreditando não haver esforços para alcançá-la. Ao contrário, para ele, o homem se compraz em cultivar seus instintos e nada de bom constrói. É nesse contexto de ceticismo a respeito do homem e das instituições inglesas vigentes na época que Swift constrói seu herói Gulliver.

O estilo do romance e o leque de temas que ele aborda, faz Jonathan Swift inserir-se no grupo daqueles escritores que, como Daniel Defoe, inauguraram uma geração que se beneficia da arte como instrumento contra de reação do acentuado processo de mercantilização e a mecanização da vida, voltando-se para o universo interior, a sensibilidade e a busca da retomada do contato com a natureza.

Na referência a episódios de sua época (o que faz desse romance rico em material alegórico), Swift privilegia a arte como instrumento de correção moral, induzindo o leitor pelas ações internas do herói. Mas, não se reduz a isso. "Menospreza o efervescente mundo dos negócios, discorda do dogmatismo dos sistemas religiosos e filosóficos, põe em dúvida o uso da ciêcia pelos interesses políticos, desconfia da fé na razão." (cf. Cilaine Alves Cunha)


Notas:

1. As citações de Cilaine Alves Cunha estão no texto Jonathan Swift, um sarcástico contra a humanidade publicada na edição especial da Revista Entrelivros, Panorama da Literatura Inglesa.

2. As viagens de Gulliver possui várias versões, inclusive a edição de bolso da L&PM Editores traduzida pela Professora Therezinha Monteiro Deutsch.

3. Interessados na mais celébre versão em desenho animado de As viagens de Gulliver dirigida por Dave Fleischer em 1939, pode acessar aqui. O filme está em inglês.

4. Em 1996, Charles Sturridge dirigiu uma versão para o cinema de As viagens de Gulliver que está anos-luz da versão feita em 2010, basta ver o trailer do filme para ter uma dimensão disso. Ver o trailer aqui.

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