Sobre prêmios, sobre valores

Por Pedro Fernandes



Escreve-se para preencher vazios, para fazer separações contra a realidade, contra as circunstâncias
Mario Vargas Llosa


É verdade que muito se tem falado acerca do poder da Literatura. Até hoje, entretanto, e isso eu já disse outras vezes, até hoje, repito, nunca ouvi dizer que algum texto literário, por mais importante que seja, tenha salvado a humanidade de algum rumo grotesco dos muitos que já passamos: das ditaduras, das guerras, da fome, da miséria... E digo isso porque entendo que a função da literatura reside noutra esfera. Se não tem um sentido de salvação daquilo que, enquanto humanos, forjamos, a literatura tem sim a capacidade de introduzir na humanidade o real sentido da comunidade a qual ela se diz fazer parte. Entendo a literatura com o poder de, ao fazermo-nos humanos, levar essa comunidade a um espaço mais habitável, ainda que por força da imaginação. E se assim faz, pela força da imaginação, já temos meio caminho andado, não? Afinal, aquilo a que convencionamos chamar de real não é constituído, senão em toda parte, mas em grande parte dele, de imaginação?

Se os tais sinais palpáveis e/ou práticos que a literatura não nos é capaz de dar é um fato, também é um fato que, em muitos momentos, pela força da imaginação, a literatura, sob comando dos sujeitos, seja capaz de reconfigurar seus trajetos e os sentidos de sua existência. Assunto que me chegou por via oblíqua e considero, sim, algo da ordem de uma manifestação palpável do poder da literatura é o já comentado fato de dois alunos, estudantes de escola pública em Pau dos Ferros vencerem à frente de uma leva de outros estudantes do imenso Brasil uma olimpíada nacional de Língua Portuguesa.

Mais que o prêmio recebido o que deve residir na memória desses alunos é um movimento que os leve, como a imaginação, para um futuro. No mundo saturado e já vazio de sentido em que vivemos sobreviverão aqueles que conseguirem fazer o uso pleno da língua em que estão localizados. E a literatura é um exemplo de domínio da língua, porque é por através dela, que muitos dos rumos da própria língua são tomados. E outros rumos como tudo aquilo que hoje nos rege passa sobretudo pela esfera da linguagem.

Por através da linguagem poética, funda-se um mundo dentro e a parte do sistema linguístico e, logo, a poesia tem esse caráter de sustentar as bases do próprio sistema da qual faz parte ao mesmo tempo que renová-lo. Por através da prosa, funda-se um mundo cujo os aspectos mais insignificantes à vista de uns se tornam (e na verdade são) em aspectos que podem reordenar a ordem de ver o mundo. Entendem vocês o que isso quer dizer? Isso quer dizer que, pela literatura, podemos ter dois domínios – o do virtual que nos circunda e nos constitui e do real que nos diz o que somos, o que fazemos...

Mesmo sem os conhecê-los, saúdo-lhes pelo prêmio. Que ele lhes sirva não somente para os engrandecer mas para indicar territórios de que, somente pelo conhecimento – e aqui a literatura tem mais que metade de sua fatia – se é possível pertencer àquela categoria dos que realmente tem o domínio da característica que nos faz humanos.

* Este texto foi produzido como texto-homenagem a dois alunos, Sara Viviane Almeida de Oliveira, 14 anos,  e Alexsandro Mateus Queiroz Sobrinho, 15 anos, que foram ganhadores das Olimpíadas Nacionais de Língua Portuguesa e levaram o prêmio na categoria poesia e crônica, respectivamente.

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