Teolinda Gersão
A escrita é um jogo de sedução.
― Teolinda Gersão, Entrevista a
Caras
Não somos nada, poeira no vento,
silhuetas minúsculas, na imensidão da paisagem.
― Teolinda Gersão, A árvore das
palavras
Teolinda Gersão. Foto: Sonja Valetina |
Os leitores mais atentos às
literaturas de língua portuguesa não podem deixar de colocar na lista de
importâncias o nome de Teolinda Gersão. Ao lado de outras importantes
ficcionistas, ela é autora de uma obra singular e já reconhecida por alguns dos
mais importantes meios literários dentro e fora do seu país.
Com a profissão de escritora,
exerceu durante variado tempo o ofício de professora na Faculdade de Letras de
Lisboa e da Universidade de Lisboa. Neste período esteve como pesquisadora e
escritora residente em outros lugares, estadias que lhe favoreceu a diversificação
dos interesses e das paisagens na sua literatura, que se integra claramente num
cosmopolitismo recorrente entre os chamados escritores novíssimos.
Dos lugares onde viveu e que desempenharam
funções na ficção da escritora estão a Alemanha, o Brasil, Moçambique e Estados
Unidos. Vários textos de Os guarda-chuvas cintilantes (1984), por
exemplo, datam das primeiras viagens; já Lourenço Marques, a então capital
moçambicana, serve de lugar para as circunstâncias desenvolvidas no romance A
árvore das palavras (1997).
Os dois livros citados demonstram
dois dos principais lugares criativos de Teolinda Gersão: o conto e o romance.
Sua estreia na literatura é recente e tardia, se comparado o feito entre outros
escritores. É, no entanto, coerente com o que se espera de alguém com zelo
acentuado pelo exercício com a palavra, afinal, qualquer um que mereça o título
de escritor precisa não apenas escrever e publicar, mas estar integrado
a um repertório cultural suficiente para fazê-lo encontrar entre os da tradição
e os da sua geração seu lugar. Não apenas isso: um escritor é, antes de tudo,
um leitor, e a formação de um leitor, embora contínua, tem maturidade sempre
tardia. Quer dizer, cada um tem seu tempo certo de estreia quando alcança a
segurança que se demonstra no feitio da obra. Além de tudo, há questões que não
estão ao nosso controle.
Confrontada com a questão do
adiamento da escrita, Teolinda responde que, embora nunca parasse de escrever,
precisou, antes de tudo, “gerir o tempo”: “só comecei a publicar ficção aos 41
anos, depois de fazer o doutoramento e de minhas estarem crescidas. Tentei encontrar
um tempo para cada coisa [...] quando deixei a Faculdade, senti-me muito bem
por ter mais tempo para escrever, fazer outras coisas e dedicar-me a outras
causas. Mas a escrita é minha causa maior. Leva-me a estar com os outros e a estar
atenta ao outro.”1
Foi então em 1981 que Teolinda
Gersão estreia na ficção com O silêncio; no ano seguinte publicou Paisagem
com mulher e mar ao fundo, um dos seus romances sempre lembrados pela
crítica devido a maneira como a narrativa problematiza a história e as ideologias
em Portugal pós-1974 e como tais questões misturam-se na composição das
identidades individuais. Numa leitura publicada na prestigiada revista Colóquio
/ Letras, já no ano seguinte ao de aparecimento do livro em Portugal, Catherine
Kong-Dumas chama este de um “belo livro” pela maneira como se articulam os
interesses de rompimento com uma “paisagem inanimada, impregnada de morte”.
Em A árvore das palavras, a
escritora continua interessada em construir uma ficção capaz de integrar o que
Kong-Dumas chama de “loucas visões” de seu “mundo de visionária” e os temas
sociais de “escritora engagée”. Noutras palavras, a literatura de
Teolinda Gersão sempre esteve interessada não numa representação da
realidade, mas na sua transfiguração, aproximando-se, assim, dos modelos
pré-figurados entre nós, latino-americanos, como o realismo maravilhoso ou o
realismo fantástico.
No romance de 1997, o esforço da
escritora é o de acrescentar a esse modelo, a forma do Bildungsroman. Situada
num Moçambique colonial, a narrativa acompanha Gita, entre a infância e
a juventude forçada a confrontar seus ideais graças aos preconceitos amargos
da mãe, uma imigrante portuguesa. São vários os limiares neste contexto de
um país à beira de uma guerra: os de raça, os de geração e os de cultura são alguns.
Outro título sempre colocado entre
os romances de destaque escritos por Teolinda Gersão é A cidade de Ulisses,
publicado em 2011. Miguel Real, um dos nomes mais importantes da crítica literária
em Portugal, sobretudo acerca das produções contemporâneas, caracterizou este
livro como um “vibrante hino a Lisboa”. Enquanto restabelece ligamentos entre o
mito, a história e o tempo vigente, este romance investiga o nascimento
da capital portuguesa, as transformações mantidas com o curso dos tempos e os
sismos dos deslocamentos ou questões do indivíduo. Dentre elas, um tema recorrente
na sua literatura: “o confronto entre o homem e a mulher, a castração imposta
aos seres humanos pelo Sistema, o medo, a morte, a solidão, o abandono, o
sonho, a traição etc.”2
Se parte da engenhosidade criativa
para a narrativa longa pode ser descrita a partir desses títulos, o consenso para
o seu trabalho com o conto parte da afirmativa recorrente entre crítica que
destaca Teolinda Gersão como a mais importante contista do entre-séculos
português. Nesta forma, publicou Histórias de ver e andar (2003) e A
mulher que prendeu a chuva (2007). Pelos títulos, principalmente
este segundo é possível compreender o interesse da escritora por outras dimensões
da realidade, aquela precisamente feita da imaginação fabular.
Fica, dessa maneira, um pequeno
registro para buscarmos conhecer melhor essa obra significativa para as nossas listas
de leituras.
Notas
1 Entrevista a Marta Vaz, 22 de
novembro de 2012, publicada na revista Focus Social.
2 A afirmativa é de Maria Inês de
Moraes Marreco em “Teolinda Gersão: uma contista portuguesa com certeza” (Letras
de Hoje, Porto Alegre, n.4, vol. 47, p.430-436, out.dez.2012).
* As duas inserções registradas nas notas foram realizadas na revisão deste texto em 30 de janeiro de 2013.
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