Clarice Lispector: entrevistas, de Claire Williams
Por Pedro Fernandes
Já disse outra vez por aqui que Clarice Lispector é hoje, juntamente como outros pouquíssimos nomes da literatura brasileira, tais como Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, João Guimarães Rosa, uma das escritoras mais estudadas e mesmo bem-quista. Reafirmo. É sim, sem dúvida. As provas estão nas abordagens das mais diversas em torno de sua obra, para todos os gostos, inclusive os duvidosos, como esses que agora fazem de espalhar pela internet frases atribuídas à escritora, um mal da popularidade.
No mercado editorial circula também uma leva de publicações que começam as nos revelar outras Clarices. Isto é, a que se dedicou a outras expressões da escrita. Clarice Lispector: entrevistas é um desses novos trabalhos com interesse de oferecer aos leitores (conhecidos ou não) partes para uma imagem mais ampla e coerente da escritora e do seu ofício com a palavra.
Produzido pela editora Rocco, casa que até então publica a obra da autora de A paixão segundo G. H. entre nós, trata-se de um livro de entrevistas. Nele está reunida uma parte significativa do trabalho de Lispector como jornalista para a então revista Manchete, em fins dos anos 1960.
Ora, vejam: era um tempo quando um veículo de entretenimento tinha como colaboradora uma grande escritora que oferecia aos leitores conversas com outros importantes nomes da sua geração. Um exemplo? Mostramos vários. Aí estão entrevistas a Lygia Fagundes Telles, Antônio Callado, Chico Buarque, Erico Verissimo, Jorge Amado, Hélio Pellegrino, Ferreira Gullar, Vinicius de Moraes, Pablo Neruda, entre outros.
Com o seleto grupo estavam também outros nomes menores e os mais variados. Imprevisíveis alguns, como Emerson Fittipaldi, Tarcísio Meira, Zagallo. Notáveis no seu tempo claro. Mas inusitados para uma escritora que, nota-se na maioria das escolhas, estava mais interessada em investigar àqueles do seu ofício. Muitas vezes com o intuito de pensar sobre sua relação com a criação, como faz ao se reconhecer na compreensão do outro ou mesmo soltar pequenas confissões. Não custa lembrar: estamos diante de uma Clarice paga para o jornalismo.
O livro organizado por Claire Williams revela uma Clarice muito objetiva, direta e, não poucas vezes, incisiva, com sua metralhadora de perguntas. Se lembrarmos a célebre entrevista que própria concedeu ao jornalista Júlio Lerner no da sua morte, logo recordaremos que seu estilo de resposta muito se aproxima do de questionadora. A inteligência da Clarice jornalista então ultrapassa anos-luz a mesmice de muitos jornalistas quando se põem diante de um escritor.
"Sou fervente admiradora de Ferreira Gullar. ... Desconfiava que ele rejeitava a minha 'literatura'. Mas o que fazer? Nada, senão continuar a gostar do que ele escrevia e escreve." Diz Clarice sobre o poeta Ferreira Gullar. E de Rubem Braga: "Há mil 'rubens' dentro de Rubem Braga, é claro, assim como há mil 'clarices' em mim. E tanta coisa eu desconheço em Rubem, que era melhor entrevistá-lo de vez."
Todas as conversas apresentadas neste Clarice Lispector: entrevistas foram divulgadas na coluna chamada "Diálogos possíveis com Clarice Lispector". Esse título tão interessante poderia ter sido adotado pela autora da obra. De toda maneira, eis um livro para se ler como um rico passatempo. Levará a gente a conhecer uma das mil Clarices, inclusive a própria escritora e a imaginar, no deserto do nosso país, como em algum momento fomos mais diferentes.
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Há dois anos, no calor da publicação de Clarice Lispector: entrevistas, copiei neste blog a entrevista que a escritora realizou com Erico Verissimo. A estreita amizade dos dois serviu também a uma conversa feita de espontaneísmos. Está disponível aqui.
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