Budapeste, de Chico Buarque

Por Pedro Fernandes



Em se tratando da dissolução dos sujeitos e das identidades na contemporaneidade, todos os romances de Chico Buarque anteriores a Leite derramado (neste a presença é menos significativa, mas não menos operante) apontam nessa direção; cite-se Budapeste em que o protagonista José Costa na volta de um congresso de escritores anônimos é, devido a um pouso inesperado, preso por um dia numa cidade de língua incompreensível, configurando-se, desde então, sujeito em trânsito, escorregadio, “em-busca-de/ encontrar-se com”. Budapeste com sua amarelidão acaba por se constituir ponto de fuga daquela sua incômoda realidade: basta relembrar que a personagem em questão é um ghost-writer que vive um casamento entediante e Vanda, sua mulher, diferentemente dele, que o sucesso é o brilho do outro, é uma jornalista reconhecidamente de alto prestígio. No fugir de sua rotina anônima e no encantamento que a personagem vai nutrindo pela cidade desconhecida, podemos inferir, uma fuga de si para um descobrimento de seu possível próprio “eu”. Ainda nessa perspectiva convém sublinhar que Budapeste se configuram num modo narrativo de procura – no sentido arqueológico do termo – seja acerca dessa realidade de fragmentação do sujeito, seja da realidade de escrita do próprio escritor. Como José Costa em Budapeste os demais protagonistas são invadidos por um constante mal-estar que os conduzem a ciclos cerceadores de si. As usuais marcas de circularidade das trama e a rota de andarilho do protagonista – suas idas e vindas entre países, e suas voltas em torno de si próprio acabam levando a ele cair em falso, migrando do centro para as margens e vice-versa. Em Leite derramado, por exemplo, esse tratado das incertezas aparece inscrito no próprio nome da personagem: Eulálio é um nome que de tanto ser repetido nas linhas circulares das suas gerações passadas – foi nome do trisavô, do bisavô, do avô e do pai – que acaba por de-compor-se numa poética da indefinição própria de si, ao mesmo tempo que aponta para uma convergência; Eulálio d'Assumpção é ele, mas é também todos os que aparecem atados nessa corrente de homônimos. Sem a voz desses outros, seu nome e ele, consequentemente, não é nada. Budapeste é tido pela crítica, como o melhor romance, até agora, dos quatro escritos por Chico Buarque.


* Recorte do texto “A linguagem que (des)constrói em Leite Derramado, de Chico Buarque” apresentado no I Simpósio Internacional do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Linguagem da Universidade Federal Rural de Pernambuco mais notas soltas para o minicurso “Diagnósticos do presente em José Saramago, Chico Buarque e Jorge Reis-Sá”, ministrado durante o I Colóquio Nacional de Estudos Linguísticos e Literários, no Campus Avançado Profa. Maria Elisa de Albuquerque Maia.


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