Fractais para uma leitura da constituição discursiva do romance Memorial do Convento, de José Saramago
Por Pedro Fernandes
O termo fractal foi criado em 1975 por Benoît Mandelbort. A referência é de conceituar aqueles objetos cujo tamanho não se deixam caber nas definições tradicionais da geometria euclidiana. Esses objetos em suas partes separadas repetem padrões. Embora o termo não seja a questão, foi utilizado com esse sentido (conceitual) para a literatura de José Saramago, tendo em vista que, mesmo repetindo padrões já determinados pela ciência da literatura, sua obra constitui expressão singular que analisada em conjunto demonstra-se fabricada por elementos repetíveis: como por exemplo, seu estilo que atribuiu novas funções para o comportamento da sinalética narrativa.
Além disso, o conceito de fractal é mesmo utilizado em algumas circunstâncias pela própria literatura desse escritor; veja-se o caso explícito do duplo em O homem duplicado ou das caracterizações espaciais em Todos os nomes. Sobre o aspecto arquitetônico aproveito para recomendar o excelente estudo do Professor José Joaquin Parra-Bañón, Pensamento arquitectônico na obra de José Saramago (Editorial Caminho, 2004).
O termo, portanto, refere-se aqui a uma estética do fragmento e da repetição. E ele integra o
título que dei para uma fala minha na sessão coordenada Linguagem e Discurso no IX
Encontro Nacional de Interação em Linguagem Verbal e Não-Verbal, na segunda-feira,
20 de setembro, na Universidade Federal da Paraíba.
Esta fala é significativa
porque retoma, publicamente porque particularmente numa foi abandonada, minha aproximação com a literatura de José
Saramago. Ela nasce do entendimento de que prosa do escritor português é
marcada em diversas posições por uma cadeia também diversa de possibilidades de
sentido e de ação. Tal cadeia se é constituída por um trabalho de
cunho quase que artesanal com a linguagem, o que, reintroduz uma rede
material e virtual de sentidos, reconfigurados estes por um corredor de vozes
advindas dos grupos mais inesperados. Esse corredor de vozes é o que vai
modelando e dando forma à narrativa: são jogos (circulares) de metáforas,
alegorias, ironias, subversões e metatextos.
Outro
entendimento para esta fala nasce do caráter temático; a prosa de José Saramago
é inovadora por refletir sobre o trabalho das ideologias, introduzir uma
revalorização das vozes silenciadas no intercurso da história, promovendo,
destarte, um desencaixe do dito pelo interdito, do oficial pelo que poderia
ser, sem parecer piegas ou panfletário.
Esta fala se
constituiu em três movimentos distintos e complementares entre si. No
primeiro – o texto – uma breve análise dos espólios sequenciais
narrativos e a formatação da história narrada, seus elementos (aqui dou vez ao
tempo e ao narrador) e temáticas, como a de refacção da materialidade
histórica; no segundo – o contexto – uma breve relação entre alguns
dos fatos narrados e os fatos históricos a que remete a narrativa; e, no
terceiro – o intertexto – uma breve relação do romance com ecos de
outros textos da tradição literária portuguesa já continuamente reiterado por outros leitores da obra do escritor português; são ecos de Os lusíadas, de
Camões, da Mensagem, de Fernando Pessoa, da sermonística Padre António
Vieira e do Padre Bartolomeu de Gusmão; obras populares, como O diabinho
da mão furada, de António José da Silva; narrativas bíblicas e da cultura
popular e os contos orais e outros textos visuais como os desenhos apócrifos da
passarola do padre Gusmão.
Como
resultado, esse processo de leitura busca entender o romance
saramaguiano como texto dialético em que nele se fundem história e ficção,
tradição e modernidade, passado e presente, num jogo complexo, nem sempre
harmônico, difícil de precisar limites e abarcar fronteiras; trata-se de um
modelo literário típico do que a alguma parte da crítica já terá
denominado de pós-modernista.
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