José Lino Grünewald, José Lino, Zé Lino, Zèlino ou Zelino
“Todos os dias, antes de sair de
casa, o José Lingo Grünewald vai ao guarda-roupa e apanha uma pose. Não uma
pose qualquer, intranscendente. O neopagão não se pode comportar como um vago e
convencional pai de família. A pose que ele veste, calça e abotoa é a de um
cínico, de um amoral, de um perverso. Por outro lado, a soma dos dados já referidos
―
neopagão, poeta concreto e amigo de Ezra Pound ― sugere não sei que abjeções
inenarráveis.”
(Nelson Rodrigues, “O
aniversariante”)
José Lino Grünewald, início dos anos 1960. Foto: Augusto de Campos. |
O estranho no ninho. Assim se
poderia definir a presença de José Lino Grünewald entre os concretistas. Não pelos
distanciamentos entre ele e os nomes do movimento vanguardista; não que sua
obra deixasse de se ligar abertamente ao estilo e à criatividade desse grupo. É
que numa vanguarda genuinamente paulista, este foi o único participante vindo
de fora. O autor de Escreviver nasceu no Rio de Janeiro a 13 de
fevereiro de 1931 e foi com Wladimir Dias-Pino e Ronaldo Azeredo uma ponte
quase exclusiva entre cariocas com o que agora compreendemos como uma mais
radical das inovações poéticas de sempre.
Mas, diferente de outras presenças,
José Lino Grünewald ficou sendo, dos criadores cariocas, o que alcançou
presença maior no âmbito geracional do concretismo. Sua integração ainda que informal
ampliou as fronteiras do grupo de Noigandres, acontecimento que se materializa já
em 1957, quando chega ao Rio a Exposição de Arte Concreta. Só no ano anterior,
Grünewald havia começado a publicar poesia e textos sobre arte, literatura e
cinema no “Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil. E daí a relação que
se estabelece com os irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, cérebros
do concretismo.
O reconhecimento foi rápido. Primeiro
por Augusto de Campos, depois pelos demais integrantes de Noigandres; é de dois
anos depois do primeiro contato a publicação do primeiro livro de poesia de
José Lino, com capa concebida por Décio ― um e dois. Em 1962, os nomes do
poeta carioca e o do seu cunhado, Ronaldo Azeredo, aparecem na edição n. 5 da revista que
serviu de holofote para divulgação das ideias e dos trabalhos dos concretistas.
A obra poética de José Lino Grünewald,
se comparada com a de outros poetas de então é rara e se desenvolve muito
lentamente: ora pela sua integração em vários outros interesses, como a escrita
de ensaios e críticas sobre cinema, cultura e política nos principais jornais
brasileiros; além do Jornal do Brasil, o Correio da Manhã, Folha
de São Paulo, O Estado de São Paulo, Manchete, Última Hora
e Tribuna da Imprensa; ora pela dedicação ao trabalho de tradutor.
A vivência nos jornais aproxima
José Lino de vários outros importantes nomes da nossa literatura, como Otto
Maria Carpeaux, Antônio Callado, Paulo Francis e Carlos Heitor Cony, com os
quais divide espaço de convívio e de criação no Correio da manhã ou com
José Guilherme Merquior, com quem trava rico diálogo nas páginas do Jornal
do Brasil.
Em 1969 aparece a publicação de A
ideia do cinema, uma coletânea de textos que inclui intervenções de nomes
como Maurice Merleau-Ponty, Sérguei Eisenstein, Alain Resnais e Jean-Luc
Godard. Seu envolvimento com o cinema foi vivido em três momentos singulares,
além da variedade de textos que escreveu sobre a sétima arte: colaborou com
Júlio Bressane no roteiro de O mandarim, filme que conta a história da
música popular brasileira com enfoque na vida e obra de Mário Reis; e em participações
como ator em Na garganta do Diabo (Walter Hugo Khouri, 1960) e O
gigante da América (Júlio Bressane, 1978).
O livro A ideia do cinema
revela alguns nomes desconhecidos entre nós e o talento criativo de José Lino Grünewald
para as antologias; em finais dos anos 1980, por exemplo, publica Grande
sonetos da nossa língua, Grandes poetas da língua inglesa do século XIX,
Os poetas da Inconfidência e amostra de autores como Luís de Camões,
Antero de Quental e Stéphane Mallarmé.
Do poeta estadunidense, José Lino foi
o primeiro a traduzir entre nós a sua obra-prima, Os cantos. E foi com
este trabalho que recebeu o Prêmio da Associação Brasileira de Crítica
Literária; no ano seguinte, em 1989, recebe o Prêmio Jabuti de Tradução pela
antologia Grandes poetas da língua inglesa do século XIX.
Enquanto isso, a poesia só
reaparece em 1982 numa edição especial da revista Transas, traições, traduções,
editada pelo poeta e bibliófilo Erthos Albino de Souza. Era o n.7 e trazia
poemas traduzidos também por Grünewald: os já citados Pound e Mallarmé seguidos
de William Carlos Williams, T. S. Eliot, e. e. cummings, Dylan Thomas, Ronsard,
Baudelaire, Apollinaire e Guido Cavalcanti. O poema de Lino era “A ira por um
fio”.
Mas, já em 1987, ele reúne toda
sua poesia na primeira edição de Escreviver, um livro com sete dezenas
de poemas divididos em duas partes: “Língua”, com textos mais usuais tal como o
inédito publicado na revista de Erthos de Souza; e “Linguagem”, com os poemas
concretos. Rejeitada pelo autor, por uma série de problemas com a disposição dos
poemas da segunda parte do livro. Esses impasses só foram resolvidos quando se
publicou em 2008, com organização de José Guilherme Corrêa uma edição ampliada
e com quase toda produção de Grünewald com a poesia.
Augusto de Campos, em texto
publicado na Folha de São Paulo e acrescentado a Escreviver
observa que “Zelino” era o mais ortodoxo dos concretistas; entende-se por essa
afirmativa o que observamos na sua poesia inventiva, sempre situada no limiar
entre a palavra e imagem, traço essencial nos textos da primeira fase do
Concretismo.
O restante da obra de José Lino
Grünewald está formada por: Carlos Gardel, lunfardo e Tango, em que
traça um retrato seguido de um pequeno dicionário do lunfardo, uma antologia
das letras, a filmografia e a discografia completa e comentada do cantor argentino;
Um filme é um filme. O cinema de vanguarda dos anos 60,
organizado por Ruy Castro e que reúne artigos publicados na imprensa entre 1958
e 1970; O grau zero do escreviver, organizado por José Guilherme Corrêa
e que reúne a maior parte da atividade de crítico literário; e Vertentes do
cinema moderno, organizado por José Armando Pereira da Silva e Rolf de Luna
Fonseca, com outros textos sobre o seu assunto predileto publicados entre 1958
e 1969.
No texto que apresenta o site com
material sobre o poeta, José Guilherme Corrêa “José Lino fez parte de uma
constelação de grandes visionários da palavra que deram à nossa lírica alguns
exemplos excepcionais. Em especial, integrou o notável breakthrough criativo
que muitos insistiam ― e alguns ainda insistem ― em classificar como mera aventura
paralinguística, a saber, os famigerados poemas concretos, alguns dos quais ele
levava literalmente anos para aprontar, da concepção à arte final ―
já que estamos falando aqui, para não discordar de todo dos detratores, de
poesia feita a régua, letra set, Pagemaker e (o mais importante) talento.”
Sabemos que a aventura (não no
sentido negativo recuperado por Corrêa) levou a literatura brasileira a ocupar,
pela primeira vez, o centro de interesse. Desse salto, figura indispensável retornar
sempre que preciso ao trabalho criativo de José Lino.
Comentários