Roberto Piva
O ano tem dado provas tristes aos da Literatura. Se fosse enumerar por aqui a sucessão de vidas ceifadas pela dama negra, este espaço se transformaria, em definitivo, num obituário. Anteontem, 03 de julho, de 2010, foi a vez do poeta Roberto Piva.
O poeta teve uma vida que começou, girou e findou em torno da cidade de São Paulo. Piva cresceu e formou-se entre a capital e as antigas fazendas do pai, no interior do Estado. Seus primeiros poemas foram publicados em 1961, quando tinha 23 anos. Por essa época integrou a Antologia dos Novíssimos, de Massao Ohno, na qual se lançaram vários poetas brasileiros iniciantes, que depois desenvolveram uma obra poética de importância. Foi formado em Sociologia e levou boa parte da vida profissional como professor de estudos sociais e história. Nos anos de 1970, tornou-se produtor de shows de rock. São Paulo, apesar de a ela está vincado sempre lhe pareceu apocalíptica, exemplo do que não deve ser feito contra o meio ambiente, por isso sempre fugia dela para o litoral sul do Estado, refugiando-se na casa dos amigos na Ilha Comprida.
Sua genealogia poética apresenta raízes e inclui influências muito raras na literatura brasileira, formando uma mistura-fina que é única por sua erudição, mas também por sua transgressão: Dante Alighieri, o metafísico William Blake, Hölderlin, os poetas expressionistas alemães Gottfried Benn e Georg Trakl, o pensamento filosófico de Friedrich Nietzsche. Rimbaud e Lautréamont, foram-lhe as bases. Das vanguardas do começo do século 20, Piva absorveu lições do surrealismo, na vertente francesa de André Breton, Antonin Artaud e René Crevel. É um dos três únicos poetas brasileiros a constar no famoso Dicionário Geral do Surrealismo, publicado na França. A partir de Artaud, Piva incorporou a idéia de que existe um compromisso absoluto entre poesia e vida. Também lhe é flagrante em sua poesia a influência dos futuristas italianos (com seu culto à fragmentação moderna), acrescida de algumas expressões musicais da contemporaneidade do pós-guerra, através da onipresente marca do jazz e da bossa nova, que foram duas fidelíssimas paixões do poeta. Mas há mais duas fortes presenças contemporâneas em sua poética. Uma é a Beat Generation americana, da qual Piva não só absorveu a estilística fragmentada e a temática que aproxima o contemporâneo do arcaico, mas através da qual também sedimentou a orientação basicamente transgressiva dos costumes do seu tempo.
Na década de 1970, a transgressão foi reforçada pela descoberta do outsider Pier Paolo Pasolini, protótipo do intelectual-profeta que caminha nas frinchas do paradoxo. Dos poetas brasileiros, essa genealogia poética agregou as figuras de Murilo Mendes - com seu surrealismo intenso, espontâneo e sensorial, ao contrário dos franceses intelectualizados - e Jorge de Lima, sobretudo aquele barroco, visionário e atormentado de Invenção de Orfeu. Os elementos finais da construção poética de Roberto Piva evidenciam uma substancial ligação com o aspecto mágico.
Os traços mais presentes na obra de Roberto Piva giram em torno dessas influências ou ao menos partem delas. Trata-se, antes de tudo, de uma poética de transgressão: na abordagem, na temática e na quebra de fronteiras entre os contrários. Portanto, uma transgressão que desemboca no paradoxo - por exemplo, entre carne & espírito, vida & obra, contemporâneo & arcaico. Sua expressão poética persegue o rastilho da escrita automática de extração surrealista: recuperar para a poesia os estados primitivos do sonho e da loucura.
No caso de Roberto Piva, talvez fosse mais adequado falar em escrita delirante. Essa prática levou, também no caso do poeta brasileiro, à utilização do método da livre associação de idéias, a partir da crença na importância poética do inconsciente. Resultado: metáforas explosivas que Roberto Piva articula com estonteante propriedade.
Ligações a esta post:
>>> Leia resenha de Cláudio Willer sobre Paranóia.
>>> No Tumblr do Letras imagens raras de Roberto Piva.
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* este texto é composto por notas de "A arte de transgredir (uma introdução a Roberto Piva)", de João Silvério Trevisan, publicado revista Agulha, n.38. abril de 2004.
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