José Saramago: irreperável perda
Por Pedro Fernandes
Abro este blog ainda marcado pelo imenso vazio que se fez no início desta manhã e que se expandiu com a leitura em sites e jornais diversos agora há pouco. Chorei a morte de José Saramago como se tivesse perdido um pai. É o leitor-admirador, sem as amarras do leitor-crítico, quem fala. Minha relação com a pessoa José Saramago se deu pela sua obra, afinal nunca fui um leitor guiado primeiro pelo efeito tiete do escritor. Também cumpro bem minha recusa pela moda ou o lugar do fã. Todo fanatismo, ele próprio concordaria, é cego e burro.
Com Saramago, por através da obra e do seu pensamento dialogamos; sim, porque o escritor português foi dos que acreditaram sobre a impossibilidade de separar a pessoa civil do escritor pessoa do autor da obra. Um e outro, dizia, estão implicados. E justo por essa razão, e pelo cuidado que sempre teve em lidar com toda sorte de questões sobre a comunidade humana, ele me era, como para muitos, certo porta-voz para o mundo porque tinha a capacidade de dizer sobre as nossas inquietudes com a vantagem de ocupar o lugar de projeção que ocupava.
A razão de ter mudado a cor do plano de fundo do blog, trocando a alegria vibrante do amarelo já conhecida dos leitores pelo tom da ausência de cor justifica-se pela ausência de alguém que me era caro. Porque com o escritor existiu o que lutou incansavelmente contra a hipocrisia e a injustiça humanas, que apontou sobre o fatalismo da nossa civilização, observando com lucidez as fissuras dos seus pilares e não porque sonhasse substituir este mundo por outro, mas, porque preferia que o mundo não fosse menos igual para uns e mais igual para outros.
Não tenho dúvidas de que o mundo está um pouco mais pobre hoje; perdeu uma de suas vozes mais ativas e um de seus pensamentos mais necessários. Ficou uma obra, ficou um pensamento, são legados para os vivos. O blog ficará de negro até o dia 20 de junho, quando, em Portugal, as cinzas de seu corpo voltarem a sua terra.
Olho de cima da ribanceira a corrente que mal se move, a água quase estagnada, e absurdamente imagino que tudo voltaria a ser o que foi se nela pudesse voltar a mergulhar a minha nudez da infância, se pudesse retomar nas mãos que tenho hoje a longa e húmida vara ou os sonoros remos de antanho, impelir, sobre a lisa pele da água, o barco rústico que conduziu até às fronteiras do sonho um certo ser que flui e deixei encalhado algures no tempo
José Saramago, As pequenas memórias
* 16 de novembro de 1922, Azinhaga, Golegã
- 18 de junho de 2010, Lanzarote
Comentários
A morte de Saramago é um prenúncio do silêncio grito que ainda estridente dizia não, as atitudes mesquinhas da humanidade protagonizada, por exemplo,por nomes como Jorge W. Bush.
Resta a nós. Alimentarmo-nos com a seiva doce das idéias desse pensador que o eternizam, já que a ciência não conseguiu ainda uma fórmula de eternidade para a matéria.
Eis que a essência de Saramago foi lançada e mesmo que a sua morte enquanto matéria possa servi de alívio para muitos, sua eternidade com a arte da palavra, que sempre manejou muito bem, continuará gritando e incomodando.
Um brinde a Saramago pelo que representa e pelo que transforma!
Neidinha Alves
Por: Janaina Alves - Estudiosa, leitora e admiradora do escritor português
Mestranda em Letras da UERN/CAMEAM/ PAU DOS FERROS-RN
fez-se silêncio então.