Clarice Lispector, a bruxa

Por Pedro Fernandes

Clarice Lispector em Bogotá, no pavilhão onde aconteceu o Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria.
A foto de Madalena Schwartz está em Clarice: Fotobiografia.



É conhecida a história da participação de Clarice Lispector num congresso de bruxaria realizado na Colômbia. Nádia Battella Gotlib se refere ao episódio na belíssima fotobiografia que organizou sobre a escritora brasileira. O ano era 1975 e por caminhos que a razão pouco conhece, a escritora se vê, certo dia, com um convite em mãos para o evento. O reconhecimento e a viagem paga foram os incentivos maiores para um escritora que se desdobrava noutros ofícios para manter alguma renda estável.
 
Realizado em Bogotá, entre os dias 24 e 28 de agosto, o Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria não era ficção de escritor. No programa, estavam figuras renomadas nos seus campos científicos: a Dra. Thelma Moss, neuropsiquiatra da Universidade de Stanford, Estados Unidos, por exemplo. Mas também reunia outras pessoas ainda mais improváveis que a própria Clarice, como Uri Geller, o israelense conhecido por sua força mental demonstrada ao entortar objetos de metal.
 
Na comitiva de brasileiros, outros nomes. Ignácio de Loyola Brandão, então redator-chefe da revista Planeta, cobriu o evento. Pelo mesmo periódico, viajou Madalena Schwartz, quem legou os registros fotográficos da escritora no congresso.
 
A razão do convite talvez se deva ao tratamento utilizado por uma crítica saída na Colômbia que dizia ser Clarice alguém que “usava as palavras não como uma escritora, mas como bruxa”. Antes de Bogotá, ela estivera em Cali para o IV Congresso de la Narrativa Hispano-americana, realizado um ano antes, entre 14 e 17 de agosto de 1974.

As tratativas para a Colômbia foram feitas por correspondência entre a escritora e Simon González Restrepo e Pedro Gomes Valderrama.

Clarice Lispector e organizador do Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria, Simon González Restrepo. A foto de Madalena Schwartz está em Clarice: Fotobiografia


 
Na entrevista que concedeu para o Museu da Imagem e do Som (MIS), em 20 de outubro de 1976, Clarice explica sobre como aceitou o convite: “Disseram que queriam um texto meu. Eu não sabia fazer um texto sobre bruxaria porque não sou bruxa, não é? Então traduzi para o inglês ‘O Ovo e Galinha’. Aí eu pedi a um fulano de tal, que eu não me lembro o nome, para ler. Ele tinha a tradução espanhola. A maior parte das pessoas não sabe o que foi lido, não entendeu nada. Agora, um americano ficou tão alucinado que me pediu uma cópia daquele conto.”
 
Sua participação no evento aparece na programação com o título “Literature and Magic”. Aconteceu no dia 26 de agosto de 1975, às 9h. Nádia Gotlib conta na biografia Clarice: Uma Vida que se Conta que a escritora preparou pelo menos duas versões do texto de comunicação. Depois, se decidiu por uma versão resumida do que pensava apresentar (o texto mais longo se intitulava “Magia”) para oferecer uma leitura do conto.
 
No texto que antecede a leitura de “O Ovo e a Galinha”, ela estabelece alguns apontamentos sobre a magia, a atividade da escrita ou daquilo que se convencionou como inspiração:
 
“Na verdade eu acho que nosso contacto com o sobrenatural deve ser feito em silêncio e numa profunda meditação solitária.”
 
“A inspiração, em todas as formas de arte, tem um toque de magia porque a criação é uma coisa absolutamente inexplicável. Ninguém sabe nada a propósito dela. Não creio que a inspiração venha de fora para dentro, de forças sobrenaturais. Suponho que ela emerge do mais profundo ‘eu’ de uma pessoa, do mais profundo inconsciente individual, coletivo e cósmico.”
 
Na entrevista para o jornalista Júlio Lerner no programa Panorama, da TV Cultura, a escritora referenda o conto como um texto de sua preferência, não apenas pelo espanto da concepção, como pela natureza indecifrável que afeta sua própria compreensão. O conto foi acrescentado ao livro A Legião Estrangeira e reproduzimos a seguir. Antes, o pedido da própria Clarice dirigido ao público colombiano:
 
“Eu peço a vocês para não ouvirem só com o raciocínio porque, se vocês tentarem apenas raciocinar, tudo o que vai ser dito escapará ao entendimento.”

Leia o conto aqui
 
Referências

Gotlib, Nádia Battella. Clarice: Uma Vida que se Conta. São Paulo: Editora Ática, 1995.
Gotlib, Nádia Battella. Clarice: Fotobiografia. São Paulo: Edusp; Imprensa Oficial de São Paulo, 2008.
Lispector, Clarice. A Legião Estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.


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