A maior flor do mundo, de José Saramago
Por Pedro Fernandes
Não tenho muito o que falar sobre livros para crianças. E por um motivo apenas: não fui uma criança leitora. Meus pais mal tinham condições de por comida dentro de casa; livro, então, foi sempre um produto de luxo. Além do que, semi-analfabetos, esse objeto nunca lhes serviu e nunca lhes serviria para nada. Depois, as escolas pelas quais passei, essas que poderiam ter me incentivado o hábito da leitura, nunca sequer souberam o que era uma biblioteca, coisa que eu propriamente também só vim conhecer na adolescência, quando na cidade para onde eu ia diariamente estudar entrei num cômodo velho com algumas estantes povoadas por alguns livros antigos da literatura nacional e uma centena de Best-Sellers desses que já vêm com um enredo pré-fabricado antes mesmo da sua composição.
Os livros infantis que li foram na adolescência para a fase adulta. Li poucos, é verdade. Na vida adulta, entre essas leituras, está, por ossos do ofício, A maior flor do mundo, de José Saramago, publicado no Brasil pelo selo para publicações infantis da Companhia das Letras. Essa edição preserva, exceto pelo material, os mesmos moldes da portuguesa; é ricamente ilustrada por João Caetano, um trabalho que dialoga e, ao mesmo tempo, amplia os sentidos do texto verbal de uma ponta da capa a outra.
Apesar de dirigido para crianças, A maior flor do mundo não tem um enredo tão acessível para elas. Principalmente se considerarmos os pequenos em fase de aquisição da leitura. Pudera. Este não é um texto de literatura infantil. José Saramago nunca escreveu para esse público. E suspeito que por uma razão muito parecida com a minha, também ele filho de agricultores sem terra e sem condições para acessar os livros. Crianças nesse contexto adultece cedo. Quando pega o gosto pela leitura finda por cair naqueles livros com histórias mais desenvolvidas, esses romances que volta e meia são adaptados para o público infanto-juvenil.
A maior flor do mundo é um livro derivado de uma crônica publicada na imprensa portuguesa na década de 1970. "História para crianças" é o texto que mais tarde foi acrescentado ao segundo livro de crônicas de Saramago, A bagagem do viajante. Um conto virado da crônica, conforme designo em texto para um congresso. Mas, leiamos, por enquanto, como manda o suporte. Literatura infantil. E fique explicado porque o enredo não é tão acessível aos pequenos.
Essa acessibilidade não se refere ao ponto de vista temático, mas à composição textual. E o seu autor-narrador sem jeito do contar para crianças tem ciência disso, abrindo a narrativa para registrar essa sua dificuldade, isto é, uma narrativa que fala dela própria: um jogo de linguagem complexo para o público a que se destina o agora conto infantil. Mas, como tudo em literatura, as dificuldades sempre se tornam necessárias, porque daí pode vir, do escritor, a inovação, e do leitor, um salto na sua aprendizagem com a leitura. E o conto virado da crônica é uma novidade no âmbito das criações literárias para os pequenos.
Trata-se de um exercício de escrita no mínimo interessante, porque temos concomitante à narrativa auto-reflexiva — do autor-narrador expondo-se no relato enquanto ineficiente contador de história para crianças — o conto possível: a história de um menino que escapa do mundo adulto para dar conta de uma missão que esse mundo ignora. A missão que transforma a si e o seu mundo: salvar a maior flor do mundo.
A história em processo e o ensinamento sem se reduzir à matéria pedagógica. Duas qualidades que me leva a pensar que, sim, é um conto que vale a pena ser lido, se não pela criança, pelo adulto para a criança. Parece-me que, desse modo, o propósito do livro fica melhor resolvido e mesmo a dificuldade do enredo, se existir, pode ser desfeita pela intervenção do leitor mais experiente.
Encerrando a escrita ao caráter limítrofe da fantasia e do maravilhoso, Saramago reflete sobre a infância e o universo infantil e sobre a escrita para esse universo. Ao fundir narrador em autor cria-se a ilusão de uma narrativa breve e muito simples sobre as aventuras de um herói com o objetivo de salvar uma flor, onde por força da expressão maior, o escritor reflete sobre a infância e a literatura amarradas por um laço inabalável de que nas gerações mais novas encerra-se uma esperança do fazer grandes coisas a partir do simples.¹
Não é apenas isso. A maior flor do mundo reúne uma consciência ética, aquela indispensável à literatura desse escritor, que reanima a necessidade de nos desfazer da ideia de separação entre o mundo de criança e o mundo de adulto. A obra leva o leitor a refletir que sua relação com outro, seu papel na comunidade a qual pertence e uma preocupação sobre o seu papel com o meio coletivo e, aqui, em específico, o meio ambiente, são tarefas comuns a todos. A riqueza desse texto, enfim, é tanta que uma só leitura é sempre insuficiente para dar conta dos muitos sentidos pospostos.
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A maior flor do mundo, de José Saramago, por Juan Pablo Etcheverry
O diretor uruguaio recebeu até a realização deste filme algo em torno de 50 prêmios em todo o mundo com o curta-metragem Minotauromaquia, Pablo no labirinto. Depois, pôs mãos à obra do escritor português para dar vida ao mágico relato combinando a animação em massa de modelar. Depois da dica de leitura vale a pena ver o vídeo que tem narração do próprio José Saramago.
1 Essa passagem está no meu texto "A maior flor do mundo, de José Saramago. Um metatexto acerca da escrita literária para o universo infantil", publicado nos Anais do II Encontro nacional sobre literatura infanto-juvenil e ensino.
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