Amarcord, de Federico Fellini



Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1975, o longa mescla memórias da Itália sob o fascismo e imagens de sonhos

Amarcord é a tradução fonética de "eu acordo" no dialeto italiano da região de Emilia-Romagna, onde o diretor nasceu. Não se trata de um filme exatamente autobiográfico, mas de uma mistura de memórias da infância com o imaginário transbordante de Federico Fellini encenada como se fosse um espetáculo de circo, uma das mais evidentes influências no universo felliniano.

O filme é uma crônica de momentos do dia-a-dia de Rimini, uma pequena cidade italiana, nos anos de 1930, época do domínio do fascismo de Mussolini no país. O diretor capta a atmosfera do período por meio da transformação da política em espetáculos, demonstrada numa cena que descreve uma parada militar.

Fellini perpassa as mais representativas instituições da cidade insinuando paralelismos entre os comportamentos autoritários na escola, na igreja, na família e no poder público. Assim, como nas diferentes esferas da comunidade, riso e crítica séria se cruzam  e se confundem nos fragmentos carnavalizados que retratam a cidade. Logo nos primeiros momentos do filme, o refrão fascista "dio, patria, famiglia" aparece em faixas entre os passantes. Deus, pátria, família são retratados  relacionados o tempo todo em Amarcord.

Num clima patético e bem humorado, a família Biondi é um dos eixos que sustentam o longa. As relações de poder em seu interior, centradas nas mãos de um pai violento e espalhafatoso, se reproduzem na esfera pública. O mesmo homem que em casa dá ordens, na rua é detido por policiais que o humilham por desconfiarem de ele estar contra o regime. A mãe reproduz a moral católica dentro de casa. Na igreja, a dificuldade da confissão, que teria a função de aliviar os pecados e as culpas, parece servir, ao padre, para excitar sua imaginação.

Mais que tudo, Amarcord é uma declaração de amor ao cinema por sua potência de ilusionismo, simbolizada numa sequência antológica em que a população da cidade parte em pequenos barcos para saudar a passagem, no meio da noite, de um transatlântico ao largo da cidade. Nela, Fellini resume seu fascínio ao recriar o oceano com plástico e transformar as luzes do imenso navio numa visão de sonho.

* Revista Bravo!, 2007, p.49.


Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A poesia de Antonio Cicero

Boletim Letras 360º #610

Boletim Letras 360º #601

Seis poemas de Rabindranath Tagore

16 + 2 romances de formação que devemos ler

Mortes de intelectual