Pier Paolo Pasolini: metáfora por metáfora
Por Alberto Giordano
Tantos anos depois
de uma morte tão trágica como trágica foi sua personagem, a obra de Pier Paolo
Pasolini segue no centro do debate intelectual e cultural que ela representa e
quer representar; ninguém duvidará que é uma obra de força prodigiosa e de igual
maneira provocativa. Muitos que tentam fazer um balanço provisório do entre-décadas
1975-1986 (depois de sua morte) sempre chegam à conclusão de que as contas não resultam de um todo exatas;
falta assim algo como uma quarta dimensão, uma chave interpretativa não plenamente
aceitável, mas iluminadora e inquietante; e o que falta é exatamente o ponto de
vista de Pasolini, seu esforço autodestrutivo de encontra-se sempre no ponto
mais incômodo.
Por um lado,
Pasolini nos aparece como a última e irrepetível figura do intelectual tradicional
em sentido humanístico e por outro, o ponto de vista que ele representou deu
extrema dignidade a um modelo de intelectual alternativo, destinado talvez a
extinguir-se com ele: um Orfeu contemporâneo, disposto a deixar-se despedaçar
com o interesse de levar sua mensagem às extremas consequências. A alusão a
Orfeu não é casual, nem sequer em suas implicações neutras: Pasolini foi
essencialmente um poeta no sentido mais alto da palavra, que é aquele que
Platão designava pela referência de querer expulsar a figura do poeta de seu
ideal de República.
A última coisa
que se pretende aqui é estabelecer hierarquias ou canalizar o discurso até o terreno
tranquilizador dos gêneros literários, embora sejam cada vez mais numerosos os
que valorizam, desde um ponto de vista meramente crítico, como eminentemente no
campo de sua produção (e aceitar-se a horrível metáfora, que, desde então,
havia suscitado a indignação do autor) justamente o setor das coleções poéticas,
chegando ao extremo refinamento acadêmico de dar um posto de privilégio às suas
pequenas coleções de poesia em língua friulana.
Se nos
restringirmos a esse lugar comum, no que se refere à sua obra literária, é
certo que o ponto mais débil de Pasolini são seus romances, mesmo os da
maturidade. A razão vale essencialmente para Uma vida violenta, cuja arquitetura voluntária e edificante seria inclusive
demasiadamente fácil de ensinar-se, com a condição, sem dúvida, de esquecer como o desgarrador, trágico e existencialmente subalterno se filtra entre as não demasiada
compactas más estruturas de Bildungsvoman
do ordinário Tommaso Puzzilli.
E, sem
dúvida, também esta intenção não alcançada assinala uma peça a mais no retrato contraditório
de Pasolini; e não há que descuidar a data de composição e, com ela, os termos
do debate que sacolejava o mundo político e cultural de finais dos anos
cinquenta, os últimos momentos de recomposição da sociedade italiana, na que
ainda podia parecer plausível e factível, para um escritor entre a paixão e a ideologia, uma mistura entre populismo e progressismo, traduzidos
tanto um como o outro num novo sistema de coordenadas, de um todo heterodoxo com
respeito às abordagens tradicionais.
A posição populista
era assim deslocada e quase desvirtuada se seu sujeito social privilegiado, em
cima de uma velha classe trabalhadora mais mitificada que conhecida, resultava
ser o subproletariado desintegrado e marginal, mas rico de uma vitalidade
virgem impregnada de corporeidade e de turva inocência; do mesmo modo, o progressismo,
bandeira tradicional e quase símbolo de identidade do intelectual democrático italiano
desde a unidade nacional, se convertia num mito da alma, uma fantasia mais
estética – ou erótica – que política.
Se o Friuli
da primeira juventude e do descobrimento de sua própria diversidade se
apresentou a Pasolini com as cores de uma Arcádia vivida, para ser evocada em
refinados mitos poéticos ou em romances tristes, o mundo dos subúrbios romanos
lhe pareceu como um reino anárquico da Utopia, uma cidade do Sol já em sua decadência:
tentou interpretá-la e racionalizá-la com os instrumentos de um pensamento
forte como é o marxismo (embora, como se tem visto, com uma grande carga de heterodoxia),
mas na realidade chorando sua irreversível extinção.
Ao construir
seu micro-herói, quase como uma bandeira do homem novo, que se conhecendo se
redime, Pasolini não sabia e não podia se não prefigurar um destino de morte,
e essa morte (reafirmada nas primeiras provas cinematográficas, desde Accattone até Mamma Roma) não é apenas um episódio, mas também significa um eu sem
lugar, tenho dúvidas se não parece a morte traumática e condensada do que quis
definir sinteticamente o mito do bairro Utopia.
Explosão do demoníaco
Ao
afastar-se da ambígua relação com a Roma marginal eis o Pasolini vagabundo e
obcecado, buscando novos mitos geográficos e sociológicos, e cada vez mais
consciente de sua fragilidade, de seu caráter ilusório, das feridas que vão
abrindo e que jamais se cicatrizarão. A partir daqui, traz tentativas em direções
diferentes, e nem todas convincentes (basta pensar em Porcile), o diluir-se maravilhoso e maneirista do último Pasolini,
sua ânsia de superar-se, que é a vez de devorar-se a si mesmo: sua
extraordinária sabedoria figurativa, seu desdobrar-se do hino ao corpo (na Trilogia della vita), que é o corpo só
enquanto exibido e como muito é profanado, mas que todos os modos é a única e
última certeza – e talvez a única e última verdade – a sinfonia excremental e
brutalizadora de Saló, que é como uma
noite de Walpurgis em que se celebram seu sabbah
de todas as obsessões e as prisões de morte que encarceram até a destruição absoluta.
E junto a esta explosão do demoníaco sobre o plano criativo, sobre o plano
civil das intervenções públicas marcam um intensificar-se do trágico, ao
individualizar e denunciar as insuficiências, as culpas, os genocídios silenciosos
que mancha o “desenvolvimento sem progresso”.
Poeta, mas
além de sua poesia; herdeiro pervertidor da tradição do “pensamento poético”
europeu que nasce com o romantismo alemão, e que na Itália está representado
por Leopardi; empapado em inquietudes e embates irracionais que nascem de
Nietzsche e do “pensamento negativo”; homogêneo, mas subalterno, às mais avançadas
proposições do século XX europeu poético e intelectual: enquanto se tenta
estabelecer um ponto de apoio para uma hipótese de definição crítica de
Pasolini se tem a percepção imediata de sua insuficiência.
Metáfora por
metáfora, a de Pasolini poeta parece a menos inadequada, porque é precisamente
aí, no olhar do poeta, onde se faz, incuba e frutifica uma das características
fundamentais de Pasolini diretor e jornalista, de Pasolini gênio: a percepção dramática
que existe uma contradição insolúvel entre uma aproximação estética e uma aproximação
ética da vida.
* Tradução livre para "Metáfora por metáfora".
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