Mário de Carvalho
Nunca é
demais sublinhar a extensa quantidade (e a qualidade) da literatura portuguesa
contemporânea; a chegada de obras como a de António Lobo Antunes e José
Saramago, sem dúvidas, dois grandes autores desse entre-século, parece que (embora
um fenômeno não leva a outro, é verdade) deu força para o soerguimento deste
cenário.
E um dos
nomes, entre tantos que chegam deste lado do Atlântico é o do escritor Mário de
Carvalho, autor de uma vasta obra que se afirma como uma das mais importantes entre
as produções literárias pós anos 1980. Não é uma literatura fechada apenas num
tipo textual, mas desenvolvida entre a prosa curta, o romance e o teatro.
Mário de
Carvalho nasceu em 1944 em Lisboa, mas a forte ligação da família com o
Alentejo colocou-o desde cedo em relação com um tipo de vida marcado pela
miséria do trabalho forçado nos graves anos em que o seu país viveu sob o
domínio execrável da ditadura. A própria geração dos pais do escritor fora vítima
do regime, e mais diretamente o pai de Mário, que foi preso e espancado por ser
um “leitor subversivo”.
Esse mal se
estenderá como uma sombra na biografia do escritor que, criado sob repressão do
Estado, chegou a ser preso por vezes diversas; depois de concluir o curso de
Direito, em regime de prisão semiaberta, foi obrigado a servir às forças militares
do regime; a recusa de ser conluio do governo de exceção levou a fugir clandestinamente
para Paris onde viveu parte do exílio findado na Suécia. Somente com a Revolução
dos Cravos, em 25 de abril de 1974, que o escritor volta à sua terra natal.
No retorno, Mário
encontra outra via de contribuir pela liberdade de seu povo: deixou os
movimentos políticos, onde conheceu gente como José Saramago, Maria Velho da
Costa, Urbano Tavares Rodrigues, para se dedicar a advogar pelas causas
sindicais. É nesse período que se liga ao grupo Quatro elementos editores e
publica, em 1981, seu primeiro livro: uma antologia de contos intitulada Contos da sétima esfera; neste mesmo ano
conclui Casos do Beco das Sardinheiras,
outra antologia do gênero. Desde então não parou.
Interessado
em viver apenas da escrita e abandonar a profissão de Direito, Mário entregou-se
a uma diversidade de trabalhos que perfazem o universo integral da literatura e
das artes, se pensarmos na quantidade de roteiros elaborados para o cinema, por
exemplo. Tamanho empenho rendeu-lhe desde cedo alguns prêmios importantes que o
ajudaram a seguir com o ritmo intenso de publicações. E já o seu primeiro
romance, publicado um ano depois da estreia literária, O livro grande de Tebas, Navio e Mariana recebeu o Prêmio Cidade de
Lisboa.
Para J.
Cândido Oliveira Martins, da Universidade Católica Portuguesa, “com
incomensurável imaginação ficcional e uma língua dotada de enorme riqueza, a
escrita de Mário de Carvalho entrelaça o realismo quotidiano e o fantástico, a
verossimilhança e o insólito, o passado histórico e o presente, a crítica
sarcástica e o grotesco, a reflexão provocatória e o absurdo, o divertimento
metaficcional e a paródia”.
Tais
aspectos são trabalhos com extensa maestria de obra para obra; e é preciso
sublinhar quantas delas estão entre as melhores de sua produção em prosa,
marcada assiduamente pela presença do conto e da novela; romances são poucos. Depois
do livro de 1982, publicou A paixão do
conde de Fróis (1986), Um deus
passeando pela brisa da tarde (1994), Era
bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto (1995), Fantasia para dois coronéis e uma piscina
(2003) e A sala magenta (2008).
Destes, o
livro de 1994, parece ser o que teve melhor repercussão crítica, tendo em vista
que foi o responsável por dar ao autor o Grande Prêmio da APE no ano seguinte e
os prêmios Fernando Namora e Pégaso, em 1996.
Entre os nomes recentes, Mário de Carvalho, vai timidamente construindo sua catedral literária.
Comentários