Incerto caminhar, de David Leite

Por Pedro Fernandes



Caminante, no hay camino, se hace camino al andar
(António Machado)


Na orelha da edição bilíngue de Incerto caminhar (Editora Sarau das Letras), do poeta David Leite, diz o poeta Fernando Gil Villa:

Al final, el tiempo pasó sin pasar y en algún momento, David decidó irse a casa para escribido todo, aunque tardó mucho em llegar, porque el poeta es el único ser sobre la tierra que no tiene raíces, sino que las va echando continuamente, razón por la cual es incierto su caminar, y sin emabrgo, misterio de los misterios, llega más lejos que nadie (os grifados são meus).

Parece-me que os termos em destaque definem bem o que o leitor encontra por esse caminho: um caminho que se é feito de palavras, de palavras que transpiram paisagens, sons, cores, cheiros, emanados todos de um veio que é o próprio veio da memória, esse fio de Ariadne que costura o livro de David, esse fio que é o próprio fio da viagem de idas e vindas "Na mesma estrada longa e sinuosa".

Certamente a materialidade simples que é posta na construção do corpo desse livro traz consigo aqueles elementos, senão todos, mas o mais importante deles, daqueles elementos definidos por Calvino em Seis propostas para o próximo milênio: a leveza e o peso / densidade. A poesia, mais do que nunca, alimenta-se desses opostos que nela se juntam e dão o tom que é tom da própria palavra, uma matéria que no poema se fecha e ganha vida própria. Um poema é construção contínua. Um poema deve sempre se mostrar como criação. E David trilha esse caminho.

Por tudo isso, Incerto caminhar trata-se de um livro que consegue alcançar aquilo que tanto a poesia ainda resiste em tempos de balbúrdia como o nosso: recuperar a serenidade e a leveza; tentar ser criação - duas qualidades que, mais que necessários à próprio poema são necessárias à nossa existência. É um livro, portanto, para a vida porque vem engendrar novas rotas no cenário da produção poética da literatura potiguar.

Deixo dois poemas do livro:

Incerto caminhar

Na mesma estrada longa e sinuosa,
seguindo por estorvos, descaminhos
- ao lado a companhia generosa -,
agruras transformadas em carinhos.

A estrada, que se faz ida e retorno,
transporta realidade e desvario.
Há vida no seu leito e em seu entorno,
assim como no curso de algum rio.

Também há o andarilho solitário,
disperso em seu mundo sempre errante,
sem data, sem agenda, sem horário.

A estrada é esta vontade de chegar...
E é o passo que transforma todo instante
a vida num incerto caminhar.


Mulheres de Rio do Fogo

Existe um encontro diário entre o mar
e as mulheres do Rio do Fogo.
O mar oferece algas marinhas,
as mulheres as buscam na praia.

Pela praia, elas seguem catando
as algas e cantando mágoas.
O mar responde
com o murmúrio das ondas.

A música delas fala da vida,
de seus problemas e dilemas.
A sinfonia do mar é acalanto.

As algas são importantes para as mulheres.
As mulheres são vitais para o mar.
Dia após dia, maré após maré,
o mar não descansa,
e as mulheres não cansam.

As mulheres tiram
das águas seus sustentos.
O mar recebe, em troca,
a companhia amiga.

Algumas esperam, na mesma praia,
que o mar devolva seus companheiros.
E eles voltam, crestados pelo sol,
com peixes e saudades.

Chamam-nas "marisqueiras".
Marisqueiras da praia do Rio do Fogo.

Mas, em verdade, em verdade,
elas são mulheres! Mulheres valentes!
Mulheres do Mar, do Rio, do Fogo.


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